Perfilo-me àqueles que mantêm a tradição de respeitar regra inserta no artigo 5º, XXXVIII, do texto constitucional. Não por acaso digo isso; já presenciei discussões no sentido oposto, colocando em xeque a legitimidade do cidadão do povo – tido como juridicamente leigo –, de atuar no julgamento de crimes dolosos contra a vida. Notória a visão e o acerto do legislador constituinte que, sabiamente, dividiu esta sublime tarefa entre o juiz togado e o juiz leigo. O primeiro aplicando a regra vigente e o segundo sem a obrigatoriedade de motivar sua decisão. Assim urgiu o brocardo: “gente do povo julgando um dos seus”. Portanto, assim se releva estreme de dúvidas, a real importância do Tribunal do Júri, em garantia da própria segurança jurídica do regime adotado.
É cediço que ao juiz criminal o legislador conferiu a atribuição de presidir o curso da ação penal e, na espécie, os crimes dolosos contra a vida, decidir à luz das provas carreadas sem, contudo, a elas ficar adstrito; no entanto, com sua íntima convicção e livre convencimento. Assim agindo, na fase interlocutória, decidir se o caso em concreto comporta a pronúncia do réu, excepcionando as situações em que vislumbre a absolvição sumária, impronúncia e a desclassificação.
À evidência história dos julgamentos dos crimes dolosos contra a vida nos impõe necessária reflexão sobre a falácia do in dúbio pro societate. Trata-se de um instrumento jurídico usual que mesmo não havendo na legislação pátria qualquer lição que o convalide, tornou-se peça chave e indispensável para motivar decisão que importe na condução do réu ao conselho de sentença. Ora, não havendo provas seguras para absolvição sumária é de bom alvitre se imaginar que há para a decisão de pronúncia. Porém, restando impotente o órgão acusador quanto a produção de provas para atingir sua pretensão ministerial, resultado diverso não há senão aplicar o in dúbio pro reo em homenagem a segurança jurídica. O juiz não pode se esquivar da escorreita aplicação da lei a pretexto de transferir à sociedade, eventual prejuízo – sem base legal – decorrente do crime alhures cometido. Qual é o prejuízo ocasionado à sociedade? Como mensurá-lo? É chegada hora de adequarmos à modernização face ao interesse social. E o julgamento em plenário do júri é matéria de ordem social. Ou não? Digo isso, data venia, aos que divergem, posto que, inexiste em matéria constitucional, qualquer referência ao famigerado (princípio) in dúbio pro societate.
Segundo o jurista Aury Lopes Júnior, “é importante destacar que a presunção de inocência e o in dúbio pro reo não podem ser afastados no rito to Tribunal do Júri”. Ou seja, além de não existir a mínima base constitucional para o in dúbio pro societate (quando da decisão de pronúncia), é ele incompatível com a estrutura das cargas probatórias pela presunção de inocência. Noutras palavras, destaca-se, caso o parquet não tenha logrado êxito em comprovar a autoria delitiva, alternativa justa não sobra ao julgador senão a impronúncia do réu já que nenhum prejuízo, diante das provas carreadas, restou alcançar a sociedade. Por isso, se a pretensão jurisdicional é promover a justiça, não há razão que justifique a mantença desse absurdo denominado in dubio pro societate. Não raros foram os casos em que o próprio órgão acusador se viu, em plenário do júri, forçado a pedir a absolvição do processado por falta de provas que pudessem sustentar um decreto condenatório, não obstante a denúncia ofertada naquele modelo além de ter ratificado-a em suas alegações finais.
Com efeito, forçoso é reconhecer o eventual prejuízo acarretado ao réu sob o aspecto de que uma vez levado a júri popular a impressão que fica é a que ali se encontra, em julgamento, uma pessoa minimamente suspeita. A meu sentir, com a compreensão do ilustre leitor, isso caracteriza indução de autoria e fere de morte ditames republicanos. Em conclusão e, com a devida venia a exegese que melhor se coaduna para a prolação de decisão de pronúncia tem como referência a célebre lição de Carnelutti: “o homicídio não é somente ter matado, mas ter querido matar”.