Prestes a encerrar a atual sessão legislativa, causou espécie o projeto do vereador Alceu Bueno propondo uma suposta “Escola sem Partido”, nome do seu projeto, acompanhado de extensa justificativa eivada, principalmente, de viés moral-religioso, segundo o qual o primado da família deve se sobrepor à orientação laica da educação pública.
Como profissional do magistério e cidadão, concordo que não cabe aos docentes praticar qualquer espécie de proselitismo, já que sua função primordial é formar a criança, o jovem ou o adulto com vistas a alcançarem a autonomia intelectual necessária para procederem a escolhas informadas e, desse modo, posicionarem-se conscientemente diante das inesgotáveis questões contemporâneas.
Há de se considerar, entretanto, a natureza do trabalho do “professor” que para exercer seu ofício precisa “professar” valores. Ele não é artífice da instrução, do adestramento, nem manipulador de corações e mentes, mas sim educador, incumbido da condução dos estudantes, mediador na busca daquela imprescindível autonomia.
Cabe aqui lembrar a responsabilidade inexorável imputada ao educador, pois, como bem elucidaram Bourdieu e Passeron, o ato pedagógico é, por definição, um ato de “violência simbólica”; quem conduz sempre deve conhecer a finalidade pretendida, enquanto o estudante ou aluno (“alumno”= sem luz) é conduzido sem a mesma consciência.
Portanto, é também inexorável a desigualdade entre as posições do professor e do estudante, podendo, com frequência, acontecer a ascendência do mestre sobre o discípulo. Mesmo sem a intenção de “fazer a cabeça” de ninguém, o docente acaba por se constituir em espelho no qual muitos estudantes se miram, sobretudo os jovens, tentando imitar o seu modelo. Até quando provoca a aversão, ele se mantém uma referência, agora como anti-modelo. Seja como for, a responsabilidade do professor se torna redobrada diante dessa função especular. Outro aspecto singular da profissão é a “liberdade de cátedra”. Por maiores que sejam as tentativas de restringi-la (a instituição da ‘supervisão escolar’, nos anos 70, visava servir aos interesses da Ditadura no controle dos professores e de seu trabalho) jamais será possível cerceá-la completamente, porque ainda não se inventou mecanismo capaz de apreender toda a riqueza vivenciada por professor e estudantes durante uma aula. Não há plano de ensino, relatório ou qualquer outro recurso burocrático que dê conta do ato pedagógico, esse fenômeno transcendente, interação viva entre pessoas vinculadas por um propósito comum, por meio da qual todos se humanizam cada vez mais e sempre, em direção à autonomia e, em última instância, à liberdade, porque a educação, assim entendida, é, em sua essência, libertadora.
Então, quando se lê o referido projeto de lei do vereador Alceu Bueno a sua justificativa, o estarrecimento é inevitável. Além de inócuo, inaplicável, descabido, revela sectarismo que em nada contribui para a coletividade, pois, todos os fanatismos são nocivos. A polêmica foi instaurada e pode ser retomada na próxima sessão legislativa. Que os nobres vereadores tenham discernimento para rechaçar esse absurdo nominado “Escola sem Partido” e possam se voltar para as muitas questões que realmente interessam à população campo-grandense.