Tenho uma modesta biblioteca instalada em uma casa que pretensiosamente a considero o meu “museu”, eis que lá estão reservados, além de uma vasta coleção de livros, todo acervo de documentos que testemunham meu currículo de atividades por mais de quatro décadas de militância ativa na vida pública.
Em uma das últimas visitas que fiz ao meu “museu”, aleatoriamente retirei de uma das prateleiras o livro “O Congresso Em Meio Século”, de autoria de Paulo Afonso Martins de Oliveira, abnegado e ilustre servidor da Câmara dos Deputados, de quem mereci a atenção e a amizade nos doze anos de meu mandato como deputado federal, como também membro da Assembléia Nacional Constituinte que elaborou a Carta Magna de 1988.
Iniciei sua leitura e no Prefácio o Autor ressalta que possíveis falhas cometidas pelos integrantes não o atingiam, porque ele é eterno e seus integrantes temporários. Nesse ponto Paulo Afonso faz referência à opinião do consagrado jurista e parlamentar, de saudosa memória senador João Mangabeira que legou aos democratas de nosso país esse conceito: “Não se deve maldizer o Poder Legislativo tão exposto a censuras injustas e calúnias imerecidas. Ele é o mais popular de todos os poderes; é o único que representa o povo em todas as suas correntes de opinião, em todos os seus aspectos de vida.
O Poder Legislativo deve ser amado pelo que faz e, sobretudo, pelo mal que evita ser feito. O Poder Legislativo é o único que encarna a liberdade. Os outros poderes podem viver sem ela. O Poder Legislativo, não. Quando ele morre, ela se extingue. É isso que se vê através de todos os povos e de todas as épocas. É pela supressão do Poder Legislativo que se mede a degradação de um povo, na perda total da liberdade. E, então, tateando nas sombras e aguardando o futuro, a Nação entristecida, olha para o presente como um cativeiro vil e para o passado como um bem perdido.”
O senador João Mangabeira fez essa declaração no ano de 1952, recém restabelecido o Estado de Direito após a queda do “Estado Novo”, atrós regime ditatorial de Getúlio Vargas de 1937 a 1945, período fechado com as atrabiliárias trancas das portas do Poder Legislativo – Senado e Câmara – quando deu-se um “cala boca” à liberdade da palavra, do direito de ir e vir aos cidadãos brasileiros.
O Brasil presencia o entrechoque de idéias, as incompreensões de lado a lado são múltiplas, há os que dizem donos da verdade, há os intransigentes numa radicalização que atingem os poros da explosão, há os pragmáticos que aceitam a acomodação como meio de sobrevivência e há, sobretudo, a voz altissonante das ruas condenando os que no uso do poder o conspurcam. Nesse mundo extrovertido quem é malhado com mais veemência nesse caminho de Afas à Nefas e o Poder Legislativo como se nele tivesse alojado a célula cancerosa, a corrupção, a patologia que atinge o corpo da democracia.
Vivi longo tempo de minha existência como integrante do Poder Legislativo – 22 anos. Sou testemunha de episódios históricos que alteiam sua imagem, desmistificam aquelas imaginadas talvez de boa fé, outras cruas de sentido, outras verídicas, estas fruto de seu próprio corpo como expressão das raízes da própria sociedade.
Penso não haver outra opção: Liberdade, só na democracia e sua expressão maior é o Poder Legislativo.