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OPINIÃO

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Ruben Figueiró: "O estrume e a tranqueira"

Ex-senador da República

Redação

24/05/2016 - 01h00
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A epígrafe sugere uma visão utópica. Porém, as duas expressões, o estrume e a tranqueira, servem de mote para indicar que nem sempre as aparências indicam incongruências ou falsa noção de valores. Este nariz de cera, de uso tão comum entre os escrevinhadores, nos quais me encontro, é para levar em consideração a recente tomada de posição do presidente provisório Michel Temer quanto à composição de seu ministério. 
Notícias insistentes dizem que ele frustrou, com a escolha de seus auxiliares, grande parte da opinião pública, setores influentes do stafe político do Congresso Nacional, com exceção do senador José Serra e Henrique Meireles, os demais a quem das esperanças por personalidades da República. De acordo, se outra fosse a circunstância do momento político de extrema emergência para consolidar o governo já que tem um prazo exíguo de até 180 dias para realizar-se perante a opinião pública. A bagunça de interesses permeia os bastidores de Brasília, com partidos e políticos com uma fome pantagruélica, na corrida por uma apetitosa fatia de poder. Enfatizo, nesse turbilhão de interesses há sempre relevantes exceções, com o desejo sadio de colaborar, de servir aos objetivos maiores neste período de transição democrática.

A herança ultra maldita legada pela presidente afastada, a situação calamitosa das finanças públicas aproximando-se de um furo que poderá chegar a 200 bilhões de reais; a enxurrada voluptuosa de escândalos que ameaçam levar de roldão os pilares do Palácio do Planalto, adensam a cada dia com as revelações da operação Lava Jato. Diante da negritude deste tenebroso quadro, somente uma hábil engenharia política poderia manter em pé a organização do poder para assegurar um clima de entendimento a permitir a efetivação de medidas imprescindíveis para frear o comboio de maldades que o governo petista preparou nestes últimos 13 anos para gozo exclusivo de sua tigrada.

Agora vem o quê das duas expressões epigrafadas – a tranqueira e o estrume. Volto no tempo, antes registrando profundo respeito por três vultos de nossa história política: o senador Vespasiano Martins, o senador José Fragelli e o senador Lúdio Coelho, os três de singular postura no trato da republica. Certa vez, isto no início da década de quarenta do século passado, Fragelli, recém promotor perante a comarca de Campo Grande, então vassoura nova na lide da política, idealista, pleno de escrúpulos, vai ao líder dr Vespasiano Martins, em sua residência, para exprobar a nomeação para cargo público de um cidadão de reputação duvidosa. Vespasiano calejado pela experiência que só pela vivência  se adquire, diz a Fragelli para aproximar-se de uma roseira ali próxima, apreciar sua beleza, seu perfume e ele fica estasiado ao fazê-lo. Na sequência o dr Vespasiano completa: “O quê a roseira tem ao seu pé?”. Fragelli responde: “Estrume!”. Finalmente o dr Vespasiano sentencia: “para um bom governo, mais da vezes é preciso ter a colaboração de um estrume como é o cidadão nomeado.”

Já o também saudoso senador Lúdio Coelho, questionado sobre determinada escolha para um cargo no governo, respondeu com clareza professoral e fina ironia: “nenhum governo está livre de tranqueiras”... O importante é mantê-las sempre às vistas. Aliás, os fatos que hoje se condenam não são diferentes daqueles ocorridos há séculos, do senador Cícero com relação ao senador Verres, no senado romano; depois de Jesus Cristo com seu traidor, Judas Escariotes, no Horto das Oliveiras! Importante para o presidente interino é manter atenta a vigilância para que estrumes e tranqueiras não prejudiquem o seu pragmático governo de 180 dias.

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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