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Rivaldo Venâncio da Cunha: "Vacina contra dengue: uma luz no fim do túnel"

Doutor em Medicinal Tropical

Redação

22/12/2014 - 00h00
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Na primeira semana do mês de novembro corrente o The New England Journal of Medicine (http://www.nejm.org), um dos periódicos científicos da área de saúde mais respeitados em todo o mundo, publicou os resultados de uma pesquisa que testou a vacina contra os quatro sorotipos do vírus da dengue. A pesquisa envolveu mais de 20.000 (vinte mil) crianças e adolescentes em cinco países da América Latina: Brasil, Colômbia, Honduras, México e Porto Rico. No Brasil, a pesquisa foi desenvolvida em Fortaleza (CE) e Natal (RN), no nordeste, em Vitória (ES), no sudeste, e em Campo Grande (MS) e Goiânia (GO), no Centro-Oeste.

O excelente desempenho do Centro da Pesquisa em Campo Grande só foi possível graças à união de esforços de profissionais e dirigentes de diversas instituições. Pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) cabe destacar, além do apoio da Reitoria e de suas Pró-Reitorias, os papéis das direções da Faculdade de Medicina, do Centro de Ciências Biológicas, do Hospital Universitário com seu Serviço de Doenças Infecciosas e Parasitárias e o Laboratório de Análises Clínicas, onde estavam lotados os pesquisadores vinculados àquela Instituição.

A Prefeitura Municipal deu sua contribuição por meio das Secretarias Municipais de Educação e de Saúde, essa última com a participação de pesquisadores do Centro Especializado em Doenças Infecciosas e Parasitárias (CEDIP) e do Laboratório Central do Município. A participação da Fundação de Apoio ao

Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (FUNDECT) foi decisiva para que a gestão do projeto transcorresse da melhor forma possível; cá entre nós, gerenciar uma parceria internacional dessa envergadura exige paciência, dedicação e, principalmente muito profissionalismo, atributos que a Fundect exibiu à altura.

Em todo o mundo, as notícias sobre a emergência de doenças infecciosas têm causado enorme preocupação. Tanto para os países que estão registrando epidemias, como para aqueles sob risco de vir a registrá-las o drama é o mesmo, sobretudo quando nos referimos a doenças potencialmente graves.

O que aconteceu em relação ao vírus Ebola ilustra bem essa afirmação: o medo ancestral da morte, presente em nossa cultura ocidental, fez com passássemos quase todo o ano de 2014 com medo de que a doença atingisse em larga escala países fora da África. Normalmente não nos sensibilizamos com o sofrimento secular causado pela fome reinante naquele Continente, pois ela não é contagiosa, ao contrário do vírus Ebola.

Nesse cenário de surgimento de novas doenças e reemergência de outras já existentes, a dengue tem papel de destaque. Segundo estimativas feitas a partir de estudos realizados em países de quatro continentes, anualmente ocorrem cerca de 390 milhões de novas infecções pelo vírus dengue em todo o mundo, sendo que quase 100 milhões são clinicamente manifestas. O sofrimento causado por essa doença, o impacto social e econômico decorrente de suas epidemias, bem como a profunda sensação de impotência para evitar a repetição desse quatro a cada dois ou três anos poderão ser substancialmente reduzidos com a chegada da vacina.

A vacina significa uma luz no fim do túnel e uma opção a mais no controle da dengue, e  deverá contribuir para a redução significativa do número de casos dessa doença. No entanto, não terá quaisquer influências sobre os determinantes sociais e econômicos associados às condições estruturais e ambientais ideais para a proliferação do Aedes aegypti, o principal transmissor do vírus.

Dentre os principais fatores envolvidos na proliferação desses insetos está o abastecimento irregular de água para consumo doméstico, pois provoca seu armazenamento inadequado em tonéis, tanques e outros objetos improvisados que atuarão como focos de criação desses mosquitos. Durante os anos de 2013 e 2014 a capital de São Paulo passou a conviver com epidemias de dengue, fato impensável antes; seguramente, a crise no abastecimento de água tem forte papel na criação do ambiente ideal para a ocorrência da doença.

O sofrimento, os constrangimentos e as humilhações provocados por crises sociais e econômicas podem, por vezes, ajudar a melhorar a consciência das comunidades que vivenciam essas experiências. Nesse sentido, espera-se que o racionamento de água em São Paulo sirva para aumentar a solidariedade e o respeito, bem como reduzir o preconceito de parcela dos moradores do estado mais rico do Brasil para com aqueles que há séculos padecem com a escassez desse bem natural, o povo nordestino.