No dia 23 de abril deste ano, esta mesma coluna publicou um artigo intitulado “Chikungunya: gravemos este nome”, o qual alertava para a possibilidade de introdução desse vírus no Brasil.
Recebi diversos questionamentos, todos expressando certa perplexidade diante da ameaça representada por um vírus de nome tão complicado e por nós desconhecido, causador de uma doença que em muitos aspectos se parece com uma velha conhecida nossa, a dengue. A primeira semelhança está nos vetores, pois ambos os vírus são transmitidos pelos mesmos mosquitos, Aedes aegypti e Aedes albopictus. As duas doenças também apresentam algumas semelhanças clínicas. Assim como ocorre com a dengue, a infecção pelo vírus Chikungunya causa febre alta de início agudo, acompanhada de dores na cabeça, nos músculos e nas articulações.
Naquela ocasião foi esclarecido que o vírus Chikungunya pode provocar artrite e tenossinovite, ou seja, inflamação nas articulações e nos tendões, e não apenas dor, como acontece com a dengue; essas inflamações atingem mais comumente as extremidades (tornozelos, punhos e mãos), e muitas vezes provocam incapacidade para realizar atividades rotineiras, tais como cozinhar, dirigir veículos e digitar em um teclado de computador ou celular. Outra diferença entre os quadros clínicos, salientada naquele artigo, dizia respeito à relativa frequência com que a infecção pelo vírus Chikungunya pode se tornar crônica, fato inexistente na dengue. Só quem já teve dengue pode imaginar o quão sofrível seria ficar seis ou oito meses com as manifestações clínicas da doença. Aí residem duas das principais diferenças clínicas entre essas doenças.
Os primeiros registros da doença em moradores de ilhas do Caribe, que não tinham viajado para fora da região, surgiram em dezembro de 2013. Até a penúltima semana de outubro de 2014 já foram notificados mais de 770.000 (setecentos e setenta mil) casos de chikungunya, distribuídos em quase quarenta países das Américas e Caribe. Uma das características da epidemia iniciada no Caribe têm sido as elevadas taxas de ataque, o que favorece a dispersão do vírus para outras localidades. O alerta feito em relação à possibilidade de o novo vírus chegar ao Brasil se confirmou no último mês de setembro, quando o Ministério da Saúde divulgou os primeiros casos autóctones, ou seja, em pessoas que adquiriram a doença sem sair do país.
Embora até o momento a quase totalidade dos casos esteja restrita ao Amapá e a Bahia (apenas um caso notificado em Mato Grosso do Sul), devemos nos preparar para a ocorrência em outros estados, razão pela qual se recomenda a imediata elaboração de um plano para enfrentar a nova realidade epidemiológica. Devido às características clínicas da doença, citadas anteriormente, precisamos organizar a rede de atenção aos casos suspeitos de forma diferente do que sempre foi feito em relação à dengue. Ao contrário do que ocorre durante as epidemias de dengue, a nova doença apresenta razoável possibilidade de se tornar crônica, ou seja, um percentual de doentes continuará a exigir cuidados por períodos prolongados.
Ao longo das duas últimas décadas, os profissionais de saúde de Mato Grosso do Sul adquiriram grande experiência no manejo clínico da dengue; essa experiência acumulada sinaliza que temos competência profissional para lidar com a nova realidade, diferenciando dengue de chikungunya e recomendando a conduta adequada para cada caso. No entanto, mais que a competência técnica no atendimento ao doente, a nova realidade exigirá competência na organização da rede de atenção aos casos suspeitos, ou seja, competência dos gestores da saúde; tal preocupação é maior quando levamos em consideração a possibilidade de ocorrência de razoável percentual de pessoas que persistirão com as manifestações clínicas durante meses.
A chave para reduzir o impacto negativo da futura epidemia de chikungunya em Mato Grosso do Sul, com a consequente redução do sofrimento dos doentes, está na organização da rede de atenção. A dura realidade enfrentada pelas autoridades sanitárias do estado da Bahia e da cidade de Feira de Santana serve como um alerta. Lá, os gestores assumiram suas responsabilidades. Da mesma forma, a população tem dado sua contribuição, sendo a maior delas a simplificação da denominação da doença, facilitando o diálogo entre os doentes e os profissionais de saúde. O novo nome demonstra a criatividade e o eterno bom humor do povo baiano: chikungunya passou a se chamar “Chico Cunha”!.


