A questão agrária e a questão urbana, cada vez mais, vêm ganhando visibilidade nos discursos midiáticos, no âmbito das políticas públicas, do debate acadêmico e, principalmente, nas mobilizações e manifestações por todo território nacional como uma ação coletiva política de organização de trabalhadores e trabalhadoras de diversos e múltiplos segmentos. Entretanto, essas duas questões, embora estejam “geneticamente” conectadas, ainda representam um impasse muito grande. Basta olharmos nossos livros didáticos para constatarmos a fatídica e aparente separação entre espaço agrário e espaço urbano.
Infelizmente ainda é muito comum ouvirmos algumas pessoas dizerem aos estudantes que moram no campo: “Estuda bastante viu... Assim você consegue sair logo daqui...” Essa, entretanto, não é uma fala aleatória e desconectada das condições materiais da vida no campo. Apesar de vivermos num período de globalização, com uma velocidade e conectividade entre os territórios jamais observada na história da humanidade, a própria globalização não se manifesta de modo homogêneo por todo espaço podendo, inclusive, salientar as particularidades de cada lugar, como já nos explicava o geógrafo Milton Santos. Assim, a maneira como a globalização chega em Pirapozinho (município de porte pequeno no oeste do Estado de São Paulo) é diferente de como ela se manifesta em Campo Grande – MS.
De modo geral, de qual campo falamos no Brasil? Com relação aos imóveis rurais de 2003 a 2010, de acordo com dados do cadastro do Incra, a grande propriedade ocupava 214.843.865 milhões de hectares em 2003 e, em 2010, este número sobe para 318.904.739 milhões de hectares, o que corresponde a um crescimento de 48,4% no período. A pequena propriedade, no entanto, passa de uma ocupação de 74.195.134 milhões de hectares em 2003 para 88.789.805 milhões de hectares em 2010, o que corresponde a um crescimento de 19.7%. Essas informações explicitam o crescimento da concentração da propriedade da terra. Também poderíamos acrescentar nesse panorama dados do IPEA apontando que os mais pobres ganharam no ano de 2012 aproximadamente R$ 91,71 por mês em contraste gritante com os R$ 3.631,89 por mês dos mais ricos.
A questão das desigualdades sociais precisa continuar na pauta de preocupação de todos da sociedade civil, das políticas públicas e da pesquisa acadêmica. É neste aspecto que vale lembrar da discussão feita por Maria Laura Silveira e Milton Santos em seu livro “O Brasil: Território e Sociedade no Início do século XXI” a respeito de espaços luminosos e espaços opacos. Para os autores, espaços luminosos são aqueles que acumulam densidades técnicas, informacionais e científicas, possibilitando a captação de mais capital e tecnlogia e, por outro lado, espaços em que tais elementos não estão presentes ou não se fazem de modo tão denso, são os espaços opacos.
Em geral, há uma forte tendência social e cultural de desvalorização do campo e de suas populações com relação à cidade. Poderíamos dizer que culturalmente, tendemos a considerar o campo enquanto um espaço opaco e as cidades como espaços luminosos. O problema com isso é que diminuímos em muito as populações que lutam, trabalham, se educam e vivem em espaços agrários. Não conseguimos enxergar a “luz” proveniente do campo e de sua gente, que se organiza para defender seu direito de acesso à terra e ao trabalho, o direito à educação, saúde etc.
Essa “luz” de fraternidade, solidariedade, organização, mobilização, esperança ativa e coletiva, enfim, essa luz que faz do ser humano um ser que sempre busca ser mais como nos ensinava Paulo Freire, há tempos nos falta de modo mais abrangente na cidade. O campo e suas populações vêm cada vez mais explicitando sua luminosidade e criatividade perante momentos de crise. Que possamos todos aprender com eles a nos organizar mais e melhor, caso contrário, somente continuaremos reforçando a “escuridão” e “opacidade urbana” na atualidade através da prática cotidiana do “salve-se quem puder”...