O corredor lotado, as macas espalhadas na passagem, banalizam o desespero da emergência. A vida se debate contra o sistema, muitas vezes em vão: a crise na saúde pública consolidou-se como um dos mais graves desafios a serem enfrentados pela sociedade brasileira. Com o aumento da expectativa de vida, o envelhecimento da população e a maior demanda por serviços médicos, aumentaram-se as pressões sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) – que não obstante nunca ter funcionado bem, corre hoje sério risco de colapso.
A oferta de uma medicina de qualidade para a população depende de uma série extensa de fatores, dentre os quais o nível de financiamento público dos gastos com saúde, a infra-estrutura hospitalar e ambulatorial, a oferta adequada de medicamentos e insumos, o nível de governança, entre muitos outros. Sem prejuízo dos demais, um indicador de extrema relevância diz respeito à força de trabalho e, principalmente, a disponibilidade de médicos.
Com uma população de 2,6 milhões de pessoas e um contingente de 4,1 mil médicos, o Mato Grosso do Sul tem hoje apenas 1,59 médico para cada grupo de mil habitantes – um patamar 20% inferior ao nacional e similar à metade do que se verifica nos países desenvolvidos. Mas o problema fica ainda pior quando se olha para os números do interior: excluindo-se os grandes centros – Campo Grande, Dourados, Três Lagoas e Corumbá –, as 75 cidades restantes de MS possuem 0,78 médico por grupo de mil habitantes, o mesmo que o vigente na subdesenvolvida Índia. Das 79 cidades do Estado, apenas 24 tem o número mínimo de médicos preconizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Fazendo uma comparação internacional, descobre-se que cidades como Amabai, Mundo Novo e Antônio João possuem tantos médicos quanto ao Iraque; Água Clara e Nova Alvorada como a Nigéria; Miranda e Japorã como Bangladesh; Coronel Sapucaia como Botswana; Itaquirai e Angélica como o Sudão; e, finalmente, Vicentina como Serra Leoa, onde a expectativa de vida é de apenas 37 anos. Há um padrão africano na oferta de médicos nas cidades pequenas de MS.
A solução do problema é complexa e envolve inúmeros fatores. Um deles é a criação de uma “carreira de estado” – em complemento ou em substituição a contratação pelos municípios – para o exercício da medicina de baixa e média complexidade nas cidades do interior. Além de cargos, salários e um programa de qualificação profissional continuada, a nova carreira deve aliar incentivos financeiros para que os profissionais atuem nas cidades pequenas, ou então a maioria continuará sendo drenada apenas para a capital. Está aberto o debate em como fazê-lo.
O governo do Estado pode e deve entrar nessa discussão, caso o contrário continuaremos a reboque das “soluções” vindas de Brasília como o “Mais Médicos”. É preciso superar a tentação em produzir medidas marketing – tomadas pelas competentes equipes de comunicação –, e dar respostas à crise real. A farsa e a fantasia não anestesiam a cidadania perdida. O corredor lotado, impaciente, reclama mudança.