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Paulo Cabral: "Afinal, o que é a 'nova política'?"

Paulo Cabral: "Afinal, o que é a 'nova política'?"

Redação

04/09/2014 - 00h00
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A senadora Marina Silva centra a sua campanha presidencial  no mote de uma “nova política”, pela qual ela atuaria para “unir” as pessoas, em vez de apartá-las, respeitando a “diversidade” de trajetórias e de posições dos atores políticos.

O conceito da “nova política” filia-se à ideologia da modernidade, para a qual o novo é um valor em si mesmo, um atributo positivo, e toda a novidade, pelo simples fato de trazer inovação seria, por definição, melhor do que o “velho” já existente. Esta ideologia tem sido muito útil à economia, fazendo da publicidade uma alavanca indispensável para gerar necessidades, estimular o consumo, garantir a absorção das mercadorias  e manter a roda da produção girando. Para vender, as agências usam e abusam do adjetivo “novo”, indo do “novo Omo” ou  “nova Claybon”  ao  “novo Pálio” ou “novo Ka”.

Assim, a “nova política” parece destinada, prioritariamente, ao público que em julho passado foi às ruas, numa catarse coletiva, demonstrar sua insatisfação com a classe política. Trata-se do setor da classe média preterido durante décadas pelos dirigentes da nação e que, desencantado, tem alimentado os crescentes índices de abstenção, votos brancos e nulos. Ao mencionar o movimento de julho reiteradas vezes, no debate da Band, a candidata aponta a intenção de apropriar-se dele, atraindo para si aqueles manifestantes, como representante tardia destas muitas vozes insatisfeitas.

Esta sacada, se de um lado pode sugerir um caminho fácil, a terceira via por muitos tão sonhada, de outro traz o risco de, mais uma vez, frustrar este segmento do eleitorado, cujas bandeiras eram tão vagas e díspares que chegavam, como em Campo Grande, a comportar, numa mesma passeata, cidadãos favoráveis e contrários à PEC 37, ou seja, uma babel sem comando, sem objetivos claros e, por isso, sem uma proposta consistente, nada apresentando além da inequívoca insatisfação com o quadro político. Parece ser este o vácuo que a candidata quer preencher, com uma proposta também vaga, a da “nova política”.

Para tanto, o velho texto sobre o qual construiu sua carreira, cujo emblema é a questão ambiental, com a defesa da sustentabilidade, foi deixado em segundo plano, dando lugar a novas falas. E este outro discurso vem revestido de tons proféticos. Quando ela afirma, insistentemente, que não quer apartar, mas sim “unir”, incorre numa contradição insolúvel, porque, em política, se de um lado se busca ampliar os correligionários, os pares, os simpatizantes, enfim, unir-se aos seus para se fortalecer; de outro, é preciso combater os adversários, pois todos  disputam um mesmo bem: o poder, no caso, a Presidência da República. Este é o jogo, um jogo muito duro, em que não faltam caneladas, apesar de palavras  macias, ditas até com doçura. E então, como “unir” neste embate de forças antagônicas?  Isso não fica claro na mensagem da candidata, mesmo porque não há mágica capaz desta façanha.

Por fim, ela invoca o respeito à diversidade, afirmando que não terá dificuldade em recrutar quadros para o seu governo, independentemente da coloração partidária. Até aí, ótimo, se fosse apenas a proposição da meritocracia como estratégia de seu projeto. Todavia, a ideia se dilata e passa a contemplar também uma explicação para as alianças que faz. Também aí estaria tudo bem, se fosse apenas mais um exemplo dos arranjos produzidos pelas demandas eleitorais. Porém, isso vai contra a pregação da “nova política” e então a pergunta é inevitável: em que suas alianças diferem do pragmatismo amoral praticado pela “velha política”?  Não diferem em nada, portanto, outra contradição insanável.

A despeito destes impasses, trata-se de uma campanha bem pensada; ela se vale da tragédia que fez de Marina candidata; de sua biografia, em muitas passagens também trágica e, principalmente, com muita oportunidade, busca encantar aqueles que já se apartavam do processo eleitoral, cansados da polarização e, sobretudo, das práticas políticas viciadas, daí o recurso à ideia da “nova política”. Tudo seria excelente se, para além da retórica, houvesse elementos concretos capazes de permitir ao eleitor firmar seu convencimento, mas, infelizmente, os indícios apontam para a tentativa de iludir o eleitorado, vendendo-se um peixe que não há como entregar. E assim a “nova política” nada mais seria do que um velho truque de marketing eleitoral, como tantos outros da nossa história recente.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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