A senadora Marina Silva centra a sua campanha presidencial no mote de uma “nova política”, pela qual ela atuaria para “unir” as pessoas, em vez de apartá-las, respeitando a “diversidade” de trajetórias e de posições dos atores políticos.
O conceito da “nova política” filia-se à ideologia da modernidade, para a qual o novo é um valor em si mesmo, um atributo positivo, e toda a novidade, pelo simples fato de trazer inovação seria, por definição, melhor do que o “velho” já existente. Esta ideologia tem sido muito útil à economia, fazendo da publicidade uma alavanca indispensável para gerar necessidades, estimular o consumo, garantir a absorção das mercadorias e manter a roda da produção girando. Para vender, as agências usam e abusam do adjetivo “novo”, indo do “novo Omo” ou “nova Claybon” ao “novo Pálio” ou “novo Ka”.
Assim, a “nova política” parece destinada, prioritariamente, ao público que em julho passado foi às ruas, numa catarse coletiva, demonstrar sua insatisfação com a classe política. Trata-se do setor da classe média preterido durante décadas pelos dirigentes da nação e que, desencantado, tem alimentado os crescentes índices de abstenção, votos brancos e nulos. Ao mencionar o movimento de julho reiteradas vezes, no debate da Band, a candidata aponta a intenção de apropriar-se dele, atraindo para si aqueles manifestantes, como representante tardia destas muitas vozes insatisfeitas.
Esta sacada, se de um lado pode sugerir um caminho fácil, a terceira via por muitos tão sonhada, de outro traz o risco de, mais uma vez, frustrar este segmento do eleitorado, cujas bandeiras eram tão vagas e díspares que chegavam, como em Campo Grande, a comportar, numa mesma passeata, cidadãos favoráveis e contrários à PEC 37, ou seja, uma babel sem comando, sem objetivos claros e, por isso, sem uma proposta consistente, nada apresentando além da inequívoca insatisfação com o quadro político. Parece ser este o vácuo que a candidata quer preencher, com uma proposta também vaga, a da “nova política”.
Para tanto, o velho texto sobre o qual construiu sua carreira, cujo emblema é a questão ambiental, com a defesa da sustentabilidade, foi deixado em segundo plano, dando lugar a novas falas. E este outro discurso vem revestido de tons proféticos. Quando ela afirma, insistentemente, que não quer apartar, mas sim “unir”, incorre numa contradição insolúvel, porque, em política, se de um lado se busca ampliar os correligionários, os pares, os simpatizantes, enfim, unir-se aos seus para se fortalecer; de outro, é preciso combater os adversários, pois todos disputam um mesmo bem: o poder, no caso, a Presidência da República. Este é o jogo, um jogo muito duro, em que não faltam caneladas, apesar de palavras macias, ditas até com doçura. E então, como “unir” neste embate de forças antagônicas? Isso não fica claro na mensagem da candidata, mesmo porque não há mágica capaz desta façanha.
Por fim, ela invoca o respeito à diversidade, afirmando que não terá dificuldade em recrutar quadros para o seu governo, independentemente da coloração partidária. Até aí, ótimo, se fosse apenas a proposição da meritocracia como estratégia de seu projeto. Todavia, a ideia se dilata e passa a contemplar também uma explicação para as alianças que faz. Também aí estaria tudo bem, se fosse apenas mais um exemplo dos arranjos produzidos pelas demandas eleitorais. Porém, isso vai contra a pregação da “nova política” e então a pergunta é inevitável: em que suas alianças diferem do pragmatismo amoral praticado pela “velha política”? Não diferem em nada, portanto, outra contradição insanável.
A despeito destes impasses, trata-se de uma campanha bem pensada; ela se vale da tragédia que fez de Marina candidata; de sua biografia, em muitas passagens também trágica e, principalmente, com muita oportunidade, busca encantar aqueles que já se apartavam do processo eleitoral, cansados da polarização e, sobretudo, das práticas políticas viciadas, daí o recurso à ideia da “nova política”. Tudo seria excelente se, para além da retórica, houvesse elementos concretos capazes de permitir ao eleitor firmar seu convencimento, mas, infelizmente, os indícios apontam para a tentativa de iludir o eleitorado, vendendo-se um peixe que não há como entregar. E assim a “nova política” nada mais seria do que um velho truque de marketing eleitoral, como tantos outros da nossa história recente.