Certo dia ele resolveu mudar-se de Campo Grande, desejoso de começar vida nova, esquecer os tempos difíceis que passara em sua terra natal.
Havia se formado em um curso superior que não lhe agradava muito: o fez apenas porque foi o único que estava ao seu alcance. Como trabalhava o dia todo para sustentar-se e pagar os próprios estudos, só podia estudar à noite, e aquele curso era o que mais se aproximava de suas pretensões.
Durante o curso procurou fazer amizade com todos os colegas, pensando que assim poderia, quem sabe, obter apoio com algum companheiro mais bem sucedido na futura profissão para a qual estavam se preparando. Teve poucos amigos e muitas decepções. Ao final, aguardou um eventual convite para uma associação profissional, mas isso não aconteceu. Penou por algum tempo em busca de oportunidades de trabalho, mas elas não apareceram. Sobrevivia com seu antigo emprego de bancário e, concluído o curso superior, mergulhou num intensivo de Inglês para aperfeiçoar o que aprendera em aulas esparsas e muito esforço individual.
Resolveu então pedir sua transferência para a sede do banco em São Paulo, não só para mudar de ares, mas também na esperança de conseguir algo melhor em termos de realização profissional. Nada deixou para trás, nem mesmo algum parente; filho único, perdera os pais quando era ainda muito jovem.
Muito dedicado ao trabalho e atencioso com os clientes, foi convidado por um empresário, com quem fizera amizade, a visitá-lo em seu escritório certo dia. Já sabedor das habilidades do rapaz, o executivo ofereceu-lhe um estágio patrocinado em Londres, na sede da empresa cuja filial dirigia no Brasil, com vistas a um futuro emprego na própria companhia. Ele não pensou duas vezes, demitiu-se do banco e seguiu para o exterior.
Saiu-se tão bem que logo ganhou um cargo lá mesmo e foi ascendendo na hierarquia da empresa. Alguns anos de trabalho e novamente a sorte lhe sorriu: abriu-se uma vaga de diretor e ela caiu-lhe no colo. Foi a coroação de sua vida profissional, pensou. Com o novo status conquistado, nem pensava em voltar ao Brasil. Por muitos anos exerceu as respectivas funções, sempre admirado e respeitado em seu meio.
Depois de mais de trinta anos de trabalho, sentindo-se plenamente realizado, decidiu aposentar-se, e assim o fez, regressando ao país de origem, inicialmente para São Paulo. Deu-se conta, então, de que, durante todo o tempo em que morou na capital paulista e no exterior, nunca mais voltara à cidade morena, onde havia nascido. Saudoso, resolveu empreender viagem para rever a cidade (já transformada em capital de um novo estado) e, quiçá, encontrar algum amigo de juventude ou colega de faculdade.
Apesar de ter visto antes algumas imagens da cidade, levou um choque ao chegar, lembrando-se da urbe interiorana que deixara. Procurou e não encontrou nenhum de seus amigos: soube que todos já não pertenciam ao mundo terreno. Assim, concluiu que nada mais o prendia ao seu torrão natal e voltou para São Paulo.