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Odilon de Oliveira: "Falência da segurança pública"

Juiz federal criminal em Mato Grosso do Sul

Redação

03/01/2015 - 00h00
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A impressão que se tem é que o Brasil perdeu a capacidade de gerir a segurança pública. Em Mato Grosso do Sul, onde atuo como juiz criminal há três décadas, não tem sido diferente. De janeiro a 15 de novembro de 2014, ocorreram 4.200 roubos (fora furtos) só em Campo Grande, cuja população gira em torno de apenas 800 mil habitantes. No mesmo período de 2013, foram 2.870 roubos, resultando num aumento de 46%. Um absurdo!

O delegado de polícia Fábio Peró, ousando criticar a Secretaria de Segurança Pública (Sejusp-MS), mas falando a verdade, declarou, recentemente, que as 1.153 fugas de presídios estaduais, só em Campo Grande, ajudam a explicar o aumento assustador dos roubos em Mato Grosso do Sul. Só em novembro de 2014, foram 85 fugas.

A essa lamentável situação deve ser adicionada a enorme quantidade de celulares que entram nos presídios deste Estado, de onde os presos, com inacreditável frequência, passaram a ordenar roubos, assassinatos e outros crimes graves. A Sejusp-MS, em vez de acabar com a entrada desses aparelhos, vem surpreendendo a população com bloqueios de sinais. Essa medida, além de representar uma confissão de incompetência na proibição de entrada, termina atingindo todos os usuários das proximidades dos presídios. O correto não é bloquear, mas não deixar entrar celular.

Em operações policiais a cargo da polícia federal ou da estadual, grande parte das prisões é feita dentro dos presídios. As cadeias viraram escritório da criminalidade.

Isto não significa qualquer desídia por parte dos policiais, mas o descaso com que a Sejusp-MS passou a tratar a sociedade: como mero detalhe. Em 2014, até 30 de novembro, foram mais de 500 assassinatos. Nos últimos anos, o Estado passou a girar num constante cenário de criminalidade. E olhe que Mato Grosso do Sul é um dos menores estados em população, ocupando o 21º lugar.

O Brasil é o dono de 6% da população carcerária mundial e responde por 60% do total de presos da América do Sul. Mato Grosso do Sul contabiliza a vergonha de um preso para cada 246 habitantes.

Na área das drogas, nosso Estado é o que mais envergonha, sendo um preso para cada grupo de 572 pessoas. Aqui, os presos por drogas correspondem a 43% de sua população carcerária, enquanto a média nacional equivale a 27%. Essa legião de presos, entre os quais não há graúdos, não representa grande atuação da Sejusp. Significa, sim, que o tráfico de drogas tomou conta do Estado, cujos policiais, civis e militares, afogados no sucateamento das duas instituições, não conseguem fazer o que gostariam. São, pois, heróis.

Em 2014, até 5 dezembro, proferi 121 palestras em escolas públicas, em Campo Grande, cedo para alunos e, à noite, para pais, falando sobre drogas, família e espiritualidade. Em média, 17% dos estudantes do Estado adquirem drogas dentro da própria escola. Não se vê, à noite, um só policial no entorno desses estabelecimentos.

Essa situação caótica em que foi transformada a segurança pública em Mato Grosso do Sul é explicada também por outros fatores, entre eles a falta de funcionamento, de fato, do grupo de patrulhamento aéreo (Decreto 12.584/2008). O helicóptero PT-HBM, do traficante colombiano Juan Carlos Abadia, e os vários aviões (PT-IES, PT-KYF, PT-WFO, PR-FPG, PT-KPG, PT-JDF, PT-OIH, PT-WDI, PT-EMS e PT-OJV) cedidos para a Secretaria de Segurança Pública em troca da promessa de que os empregaria no combate à criminalidade apodreceram ou foram vendidos a preço de banana-nanica.

O PT-KPG foi acidentado em 2012 e nunca mais saiu do chão. O PT-WFO sofreu acidente em 2012. Consertado em 2014, foi novamente acidentado já no primeiro voo. O PT-JDF também sofreu acidente em 2012 e não foi reparado. O PT-IES acidentou-se e não voltou a operar. Virou sucata. O PT-OIH está sem uso desde 2010. O PT-WDI nunca foi utilizado, ocorrendo o mesmo com o PT-OJV, PT-KYF e o PT-EMS (jatinho). O último, doado pela Justiça Federal de São Paulo (SP), passou 4 ou 5 anos apodrecendo, sem sair do chão, e foi leiloado, em outubro de 2014, por R$ 16.576,00, preço inferior ao que devem custar seus pneus. O PR-FPG, cedido pela Justiça ao Corpo de Bombeiros, para atividades aeromédicas, nunca realizou um resgate. Está sendo usado pela Sejusp, com desvio de finalidade. Por fim, o helicóptero do traficante Abadia, cedido pela 1ª Vara Federal de São Paulo, está sem voar desde 2010, por falta de manutenção. A Anac cancelou seu certificado de aeronavegabilidade.

A Sejusp-MS, cujo titular era o mesmo desde 2006, perdeu uma grande oportunidade para, por meio de um policiamento aéreo na faixa de fronteira com o Paraguai e a Bolívia, prevenir e reprimir a entrada de armas e drogas, estas responsáveis por metade de toda a violência.

Enquanto isto, a criminalidade agradece. É necessário que o povo saiba que não é o juiz que deixa os aviões virarem sucata. Alguém terá de pagar esses prejuízos. Com a palavra, o Ministério Público e a Advocacia da União.

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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