O encontro entre serpentes e seres humanos nem sempre leva a situações agradáveis e prazerosas. Desde o início dos tempos, acidentes com ofídios ocorrem no mundo todo, causando danos irreparáveis e perdas de vidas. Quem não se lembra do suicídio de Cleópatra, que usa uma serpente em sua mama, ceifando sua própria vida. Obstante, não é necessário ou justo demonizar a maioria das serpentes, embora algumas sejam realmente extremamente perigosas.
Afim de evitar os efeitos terríveis do envenenamento causado por uma mordida de serpente, nos últimos séculos inúmeros cientistas desenvolveram soros antiofídicos ou antivenenos. Tradicionalmente, a produção de antivenenos tem sido a mesma há mais de um século. Grandes animais, como cavalos, são inoculados com pequenas quantidades de proteínas do veneno ofídico. Ao receberem esta dose, os animais começam a produzir anticorpos que são distribuídos no plasma sanguíneo. Este plasma, riquíssimo em anticorpos, pode ser dado as vítimas de mordidas de serpentes, reduzindo seus efeitos danosos. Entretanto existem inúmeros limitantes reais neste sistema. Cada antiveneno pode ser efetivo apenas contra uma espécie de serpente ou no máximo a um pequeno grupo.
Além disso os compostos que provem atividade ao antiveneno necessitam de refrigeração, dificultando o seu transporte em áreas isoladas de países tropicais que não apresentam energia elétrica. Finamente algumas serpentes apresentam uma baixa quantidade de produção de veneno, como acontece com a coral verdadeira, dificultando em demasia a inoculação de um cavalo por exemplo. Para sobrepujar estas dificuldades, vários pesquisadores têm recorrido a biologia sintética.
A biologia sintética corresponde a uma inovadora área de pesquisa que tende a combinar biologia e engenharia para projetar e construir novas funções e sistemas biológicos. Embora seja similar a engenharia genética, o mesmo usa construções inusitadas não encontradas naturalmente. Este fato difere a biologia sintética da engenharia genética, que tende a combinar genes e funções previamente existentes na natureza. Neste mês um grupo chinês, utilizando biologia sintética, construiu pequenos pedaços de DNA que quando injetados em camundongos, ativaram anticorpos extremamente ativos contra o veneno de coral. Os cientistas então aceleraram a resposta imune do animal injetando nos mesmos animais pequenos fragmentos de anticorpos antiveneno sintéticos produzidos em bactéria obtendo um antiveneno muito mais potente.
Em trabalhos paralelos desenvolvidos por um grupo brasileiro, trabalho similar foi desenvolvido usando fragmentos sintéticos de anticorpos para neutralizar os efeitos de acidentes causados por jararacas. Ambos os trabalhos são de extrema importância para o desenvolvimento de antivenenos uma vez que as indústrias farmacêuticas que produzem estes compostos estão em claro declínio dado a que estes fármacos não são extremamente lucrativos.
Em 2010, a gigante Sanofi simplesmente encerrou a produção do antiveneno Fav-Africa que podia ser usado para tratar acidentes com as dez mais venenosas serpentes da África. A produção de antivenenos não é fácil e seu barateamento pode ainda ser mais complexo. Neste último caso a biologia sintética pode fazer uma clara contribuição. Entretanto vidas continuam a ser perdidas todos os dias e os preços não deveriam dirigir o desenvolvimento neste caso. A ciência está vigilante ao nosso lado, atuando sabiamente para solucionar os problemas de nossa sociedade.