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Octavio Luiz Franco: "Banindo as quimeras de humanos e animais"

Coordenador do S-Inova Biotech, professor do programa de pós-graduação em Biotecnologia da UCDB

Redação

17/08/2016 - 02h00
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Esta semana o NIH (National Intitute of Health) americano baniu o financiamento do desenvolvimento de organismos quimeras, onde células-tronco humanas poderiam ser adicionadas a embriões animais para fins de estudos básicos e desenvolvimento de produtos. O hibrido conceito remonta a Ilha do dr. Moreau, criada por H.G. Wells em 1896, onde um médico cria criaturas extraordinárias em uma ilha. Este perturbado cientista se torna obcecado em transformar animais em humanos usando técnicas de cirurgias e hipnose. 

Na obra, a vivissecção consiste no maior crime de Moreau, que foi acusado de fazer experiências extremamente dolorosas em animais. Embora as propostas estejam longe de criar estes seres híbridos, as novas regras bloqueiam os estudos de desenvolvimento de células humanas que podem ser introduzidas em embriões de primatas não-humanos antes que as mesmas comecem a desenvolver um sistema nervoso central. Desta forma esta proibição limita o desenvolvimento de cérebros quiméricos. Além disso também fica proibida a produção de células humanas em animais reprodutores como porcos e vacas, limitando a produção de embriões humanos em um útero não humano.

Nos dias de hoje esta tecnologia pode ser utilizada para criar animais modelos para doenças humanas com maior fidedignidade. Outra possibilidade consiste no uso de animais capazes de produzir e engenheirar órgãos humanos. Tais órgãos poderiam ser coletados de um animal adulto e, por conseguinte, serem usados em transplantes humanos.

As proibições têm sido levantadas uma vez que esta área cientifica tem sido considerada uma zona cinzenta. Embora tenham um enorme valor cientifico para estudos de desenvolvimento, pode ser extremamente difícil avaliar o resultado destes experimentos, especialmente quando relacionados ao desenvolvimento de sistema nervoso central e, por conseguinte, em uma provável consciência avançada. No Reino Unido existem severas leis que regulam e impedem o desenvolvimento de tais quimeras mesmo com financiamento privado. 

As leis valem para quaisquer tipos de quimeras, incluindo aquelas que geram caracteres humanos como mãos e faces. A resposta da comunidade cientifica e da sociedade tem sido controversa. 

Embora alguns sejam contra o desenvolvimento de tais quimeras, muitas pessoas são extremamente favoráveis, especialmente no caso do desenvolvimento de órgãos. Existe uma discussão ética profunda neste quesito, uma vez que dividimos pesquisas com organismos humanos e não humanos. Neste caso temos agora células que não pertencem a nenhuma e a ambas as categorias. Neste caso provavelmente teremos que criar novos critérios de segurança e desenvolvimento.

Vale ressaltar que embora seja realmente necessária a criação de um marco regulatório para um assunto tão controverso, o desenvolvimento celular em alguns casos deve ser olhado com atenção e bons olhos. Não seria fantástico reduzirmos a fila de espera em transplantes com segurança e qualidade.

Para isso não é necessária a criação das terríveis e sofridas criaturas do Dr. Moreau. Apenas é necessário um trabalho cientifico profundo, profissional e com enormes doses de ética. No Brasil estes casos ainda não foram discutidos, mas talvez seja o momento de nos organizarmos para a ciência vindoura. 

A ciência está vigilante ao nosso lado, atuando sabiamente para solucionar os problemas de nossa sociedade.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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