E não é que tirei férias? Em crônica anterior, comentei sobre meu desejo de tirar férias de algumas coisas que me cansam ou me dão preguiça. A intenção era criar uma forma de lista de desejos, aquelas que fazemos e, geralmente, não levamos a cabo.
Só que tirei, de fato, férias. Se tivesse ido ao fim do mundo, não teria sido tão interessante quanto foi essa viagem ao deserto do Atacama.
No início, fotografava tudo o que via – planos e planos de terra, pedra e sal de um lado, de outro, a Cordilheira dos Andes coberta de neve. Antes de chegar a San Pedro, fiquei uma semana em Santiago e, dali, nada me impressionou tanto como uma visita ao Museu de Arte Precolombina.
Uma mostra objetiva das culturas dos povos sul-americanos antes da chegada dos colonizadores. Com expografia impecável, o visitante é levado a fazer um percurso pela cultura material desses povos e compreender por que a sobrevivência deles foi vista como ameaça pelos europeus.
No Atacama, região que concentra também minas de cobre e de lítio, comecei a observar que muitos dos sítios que visitamos traziam placas informativas em castelhano, em inglês e em kunza. Notei que o guia ficou surpreso quando lhe pedi informações sobre aquela língua e eu, não menos, em saber que era falada pelos atacamenhos até o século XVII, quando o rei espanhol a proibiu.
O poder da palavra aterroriza os poderosos desde sempre. Mas há, ali no deserto, algo que fala mais alto e que é impossível de se fotografar: o silêncio. Respeitado em todos os lugares, o silêncio só se rompe nos espaços em que a música andina surge dos tambores, das flautas e do canto breve das canções melancólicas. Nem só de bons poetas, pisco sour e vinhos vive o Chile. Nem eu.
Vai daí que voltei e nada ainda mudou. O Brasil continua uma piada de mau gosto, mas deixo para os especialistas falarem sobre isso. Prefiro falar do que me compete.
Estou às voltas com a preparação da Terceira Feira Literária de Bonito e por isso tenho conversado com muitas pessoas sobre o espaço da literatura, da leitura e das feiras literárias.
Fui entrevistada por uma aluna do curso de Jornalismo da UFMS, Marcelle, que veio para a entrevista muito bem preparada, a julgar pelas notas que trazia em seu caderno, revelando que pesquisou como se deve para uma conversa sobre um tema específico, inclusive citando textos e outras entrevistas que eu já havia dado.
Foi uma boa conversa de quase duas horas, na qual falamos sobre leitura, leitor e analfabetismo funcional. Depois que ela saiu, fiquei me perguntando se a FLIBonito poderá algum dia atingir este último.
Ao mesmo tempo, me dei conta de que muitas pessoas que já passaram pela escola, que foram alfabetizadas de fato, podem voltar a um estágio grosseiro de analfabetismo funcional pela falta de práticas de leitura.
Conversando com um motorista de táxi obtive uma boa resposta: “Os livros de literatura que eu li na escola, eu nunca mais esqueci. Pena que eu perdi o hábito”. Esse lamento pode ser um alerta e as Feiras Literárias são um bom espaço de discussão, de encontro com o livro, onde a palavra não aterroriza ninguém.