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Mansour Karmouche: "Liberdade de imprensa: asas abertas sobre nós"

Presidente da OAB/MS

Redação

27/07/2017 - 02h00
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É incrível: em pleno século XXI parcela expressiva dos representantes dos poderes constituídos ainda encontra dificuldades para conviver com a liberdade de imprensa. 

Recentemente, um jornalista em Campo Grande foi preso porque estava filmando um acidente de trânsito e flagrou discussão entre o ocupante de um dos veículos com o Policial Militar que atendia a ocorrência.

Numa atitude despropositada, o profissional de imprensa foi detido, levado no camburão para a delegacia, e só foi liberado após intervenção de advogados da empresa jornalística, gerando nota repúdio do Sindicato dos Jornalistas e procedimentos administrativos por parte do Comando-Geral da PM.

Assim, cada vez mais, numa escala crescente, assistimos estupefatos a muitas autoridades tentando limitar o uso de aparelhos celulares em coberturas jornalísticas ou mesmo em reuniões oficiais, temendo filmagens, fotografias e gravações, como se isso representasse um perigo em si mesmo, quando há jurisprudência formada de que esses instrumentos são extensões da privacidade individual, não cabendo a usurpação do direito de seu uso durante o exercício profissional ou mesmo individual.

Nos tempos atuais, qualquer cidadão que se depara com um fato que o surpreende posta imagem e som nas redes sociais, o que muitas vezes ganha imensa repercussão nas mídias oficiais. Cada tempo tem suas características próprias. É impossível desejar o controle permanente da informação. 

Em países democráticos, a exposição da imagem pública e pessoal tornou-se uma questão controversa, mas fatos são fatos, principalmente quando houver interesse jornalístico que contribui para o aprimoramento da vida social. 

A controvérsia gerada com a gravação do empresário Joesley Batista, da JBS, em torno de conversa com o presidente Michel Temer tornou a questão ainda mais polêmica, mas não houve quem negasse o direito da imprensa de divulgar o conteúdo do material. 

Decisões recorrentes dos tribunais superiores têm referendado a tese de que liberdade de imprensa é pressuposto fundamental de sociedades abertas, sem a qual não é possível o convívio civilizado.

Os meios pelos quais jornalistas buscam produzir notícias, opinar sobre o nosso cotidiano, interpretar os dados da realidade são legitimados pelo interesse público na medida em que pode ajudar a melhorar o mundo em que vivemos. 

Claro que sempre há o contraditório e o conflito de interesses. Mas querer impor limites com truculência e autoritarismo ao livre exercício da profissão é um remédio que piora a doença em vez de curá-la. 

Nesse aspecto, ressalte-se que os advogados também são vítimas constantes de abuso de autoridades, com o desrespeito das suas prerrogativas, o que tem motivado a OAB a empreender uma luta renhida em sua defesa. 

Quem se dispõe a assumir uma função pública cujas decisões interferem no cotidiano dos cidadãos deve saber de antemão que está abrindo mão de parcela de sua intimidade, tornando-se alvo natural da curiosidade de terceiros, podendo ser criticado ou elogiado.

Portanto, não cabe proceder de maneira restritiva ao direito de informação e opinião, pois a verdade dos fatos sempre termina por prevalecer, mesmo que ocorram danos temporários em casos de calúnia e difamação. 

Nesse aspecto, o Estado Democrático de Direito contém salvaguardas para garantir a preservação da honra pessoal. Mesmo assim, não há como negar: a coerção e a intimidação contra jornalistas e meios de comunicação são igualmente repulsivas da mesma forma que o conteúdo de uma notícia enviesada e muitas vezes apurada no calor dos acontecimentos. 

A lei sempre estabelece o equilíbrio diante dos exageros. Mas o abuso de autoridade é uma cultura que deve ser extirpada de uma sociedade que se pretende desenvolvida. 

Há mais de dois séculos um esclarecido e culto Imperador brasileiro cravou a máxima que até hoje muitos ainda não assimilaram: “contra liberdade de imprensa, mais liberdade de imprensa”. Simples assim.

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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