É notório que a sociedade brasileira é altamente consumidora, condição na qual foi inserida a partir da década de 1990, após a estabilização da moeda com o advento do plano real, condição que proporciona vultuosos lucros às grandes empresas que, por sua vez, inserem no mercado de consumo quantidade e variedade cada vez maior de produtos e serviços, enveredando ao consumidor, via marketing, a necessidade de consumo dos mesmos.
Dentro dessa relação, acredita-se que os fabricantes destinam esforços para melhor desenvolver seus produtos, mas não se preocupam com a qualidade de seu atendimento no momento em que o consumidor é prejudicado com um produto que apresente defeito, e esses sinais podem estar sendo enviados ao mercado, por nossos próprios tribunais através de suas decisões.
Eis um dos motivos pelo qual é sacrificante ser consumidor no Brasil e, também, um dos motivos pelo qual é árduo advogar em causas que envolvem pedido de danos extrapatrimoniais por produtos e serviços de má qualidade colocados no mercado.
A “indústria do mero aborrecimento”, termo recentemente criado pela OAB Conselho Federal, para lançamento da campanha “Mero aborrecimento tem valor”, criada pela Comissão Especial de Defesa do Consumidor, que se contrapõe ao argumento dos juízos de nosso país, de que boa parte das demandas judiciais que visam a condenação do ofensor na reparação por danos extrapatrimoniais, embarcam na “aventura” da indústria dos danos morais.
Não é raro, aliás, é absurdamente comum observar nas decisões que julgam pedidos de indenização por danos extrapatrimoniais em ação de consumidor, a fundamentação da negativa desse pedido baseada no julgamento de que o prejuízo suportado, não passou de mero aborrecimento ou dissabor cotidiano e que a procedência do pedido fomentaria a indústria do dano moral.
Então comprar um produto com vício ou defeito; buscar os direitos garantidos perante a autorizada da fabricante; ter, sem embasamento, negada a garantia; buscar resolver via SAC do fabricante; ir ao PROCON e obter nova negativa e; finalmente ingressar em juízo aguardando longos meses ou anos para solucionar o imbróglio e, ainda, despender dinheiro com advogado e custas processuais em certos casos, trata-se de mero aborrecimento? E a perda de tempo útil e consequente desvio produtivo suportado pelo consumidor?
Aliás, o que seria mero aborrecimento? Em que se basearia tal instituto?
O tão usado espectro denominado pelos magistrados de “mero aborrecimento”, possui tamanha subjetividade, que as próprias decisões não conseguem fundamentar o instituto.
Supõe-se, que estaria então a decisão afirmando que meu tempo não vale nada; que a minha paciência deve ser do tamanho que as más empresas entendem que deve ser; que a minha digna qualidade de vida pouco importa; que os deslocamentos para solucionar a questão não custam o combustível ou a depreciação do veículo utilizado para isso e; finalmente, que a empresa requerida deve permanecer agindo como age, já que é mais lucrativo para ela.
É fato também que as condenações por danos extrapatrimoniais, quando alcançada, fixam valores insignificantes, incentivando a empresa condenada a manter seus padrões de atendimento ao consumidor e desrespeito à legislação consumerista, porque também lucram muito mais com os clientes lesados que não procuram a justiça, desacreditados, do que perdem com as poucas demandas ajuizadas. Ou seja, melhor atender mal do que atender bem.
Outrora, ao lado de casos nos quais o pleito é legítimo, existem inúmeros casos abusivos, que degradam as relações sociais, mas, realmente nos parece que a justiça brasileira acabou por confundi-los, aplicando a tese do mero aborrecimento, a casos em que de fato existe dano extrapatrimonial indenizável.
Acredita-se que o Poder Judiciário não esteja enxergando que o enorme volume de processos envolvendo relação de consumo, se deva a excessiva utilização da tese do “mero aborrecimento”.