Notícias circulantes ainda versam insistentemente sobre a crise, suas causas e efeitos. Ela continua sendo maquiavelicamente considerada pela mídia como uma exclusividade brasileira embora a retração econômica seja mundial. As causas importadas e nacionalizadas foram atribuídas à falácia do “desgoverno” e da “corrupção sistêmica” recente restrita aos últimos anos, como se nunca existira.
A crise é mundial e disseminada aos quatro ventos (e porque não estaria no Brasil?). Sua origem data de 2008 e persiste até o momento como resultado da globalização dos mercados financeiros, da bolha inflacionária imobiliária americana e das supervalorizações das ações nas bolsas de conglomerados assim como dos financiamentos irresponsáveis e a quebra de bancos internacionais exigindo a intervenções governamentais evitando o colapso do sistema financeiro e a recessão, gerando “déficits”públicos americanos oriundos desses gastos excessivos, com a falência bancaria (Lehman Brothers-2000).
Em 2011, analistas já vislumbravam uma evidente desaceleração das atividades econômicas em vários países desenvolvidos embora o Brasil ainda se encontrasse beneficiado pela demanda interna (redenção dos pobres). Diversos países deveriam ajustar suas contas por “enxugando” dos gastos, diminuindo benefícios sociais, aumentando a arrecadação e elevação dos impostos, medidas essas impopulares que não foram levadas a efeito. O desemprego na Espanha, Portugal e Itália, prejuízos nos bancos europeus pela ajuda financeira a Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Chipre, e outros, protestos contra a perda dos direitos sociais conquistados na França, e a perda de empregos por conta dos imigrantes foram consequências sem o destaque necessário.
No Brasil o reflexo dessa crise veio na forma da repatriação dos investimentos especulativos e a consequente alta do dólar. Essa recessão estrangeira imprimiu a falta de crédito para as exportações nacionais, afetando as empresas dependentes de faturamento externo levando a contenção de despesas, cortes de postos de trabalho, e redução na produção, gerando efeito cascata para as demais empresas fornecedoras. Alguns economistas, cientistas políticos e parlamentares mal intencionados, e leigos desinformados insistem em afirmar que a crise é fruto de “desgoverno” ou a exclusividade de um partido “endemonizado”, e que o imaginário popular ficará indefinidamente acreditando nesse enredo inconsistente.
Trocar o bem estar social pela política de austeridade faz parte da receita e “estratégia liberalizante” dominante no mundo, que visa o estado-capital, um estado submisso às condicionantes do mercado e do capital especulativo onde o dinheiro e o lucro prevalecem sobre o trabalho e suas relações sociais.
Não é por menos que a “nova antiga ordem” do governo interino tupiniquim prega o controle dos gastos por meio de valores de referência, propondo a redução nas destinações orçamentárias para as áreas sociais, a educação e a saúde, e mudanças na aposentadoria estabelecendo idades em que os trabalhadores contribuirão até a morte, nas leis trabalhistas com uma “flexibilização” dos acordos, onde inexoravelmente prevalecerão as decisões patronais. O mercado e os bancos agradecem!
Os efeitos apenas respondem ao estado natural dos acontecimentos. O dissentimento político pelo Congresso quanto às necessidades da aprovação das ações governamentais, atrasando as agendas, incluindo pautas bombas; o dissenso dos partidos políticos, a má fé e o conluio com propinas divulgadas pela mídia cooptada aliada aos anseios de uma oposição frustrada, a paralisação de grandes obras, foram fatores cruciais para se produzir uma crise. A expectativa de crise futura inexiste, pois se acredita que a simples troca no comando governamental, promessas e atitudes pífias são medidas suficientes para a volta da credibilidade.
Lembremo-nos no “déja vú” da convocação dos cidadãos para fiscalizarem preços congelados (Sarney-1968), quando se esqueceram de avisar aos bancos, às indústrias e aos comércios que deveriam colaborar com o plano. Os produtos sumiram do mercado, forjou-se uma crise de desabastecimento e produção, acabou-se o crédito, aumentou a inflação e a carestia. O momento é outro, mas assemelhado. Os responsáveis pelo fracasso daquele plano ainda estão entre nós, ditando as regras do jogo e por um bom tempo o povo acreditará.