Há muitas maneiras de conhecer a poesia de Manoel de Barros. A melhor delas é a amizade. E foi um grande amigo, Alexandre de Almeida, que em outubro de 1989 me enviou o livro “Arranjos para Assobio”.
A leitura de Manoel de Barros é deslumbrante em qualquer época da vida, mas, aos 17 anos, causa uma verdadeira metamorfose dos sentidos.
A pequena grande obra de 61 páginas, editada em 1982 pela Civilização Brasileira, teve a capa desenhada por Millôr Fernandes e a orelha do livro assinada pelo editor Ênio Silveira, com uma evocação de Rimbaud: “Manoel de Barros é acima de tudo um vidente. Tendo os pés fincados na realidade do quotidiano e, ao mesmo tempo, a consciência crítica das ações e reações que a determinam e condicionam, sua refinadíssima sensibilidade poética lhe permite constatar que nas coisas e nos gestos mais simples e aparentemente óbvios se encerra um infinito de transcendência, de mistério, cuja revelação melhora o homem e lhe dá razão de ser”.
“Um dos mais insólitos livros de poesia já publicados no Brasil nos últimos anos.” É assim que Ênio ilveira afirma a importância do livro de Manoel de Barros.
Antônio Houaiss apresenta a obra com prazer, ao dizer: “Acompanho esta poesia humildemente: recebo-a como se em estado de graça, me comprazo com ela e – por instantes, graças a ela – me comprazo com o mundo e até comigo mesmo”.
E Houaiss repele a classificação acadêmica da poesia de Manoel de Barros como se fosse uma novidade surgida nos anos 80: “Acompanho a poesia de Manoel de Barros – esse sul-mato-grossense que por tantos anos viveu no Rio de Janeiro sem jamais dessulmatogrossizar-se –, acompanho sua poesia desde há muito. E não conheço poesia que desconfie tanto de si mesma e poeta que desconfie tanto de si mesmo.”
Para além dos cânones literários, Houaiss reconhece a especificidade da poesia de Manoel de Barros: “é poesia que abre seu lugar próprio em seu próprio território sob sol próprio e sua própria imagem física e moral e verbal e estética, em que há um humilde (e sábio) demiurgo”.
Assim, com amizade, Manoel me foi apresentado como uma ventura que vale a pena ler. Aprendi a me preocupar com coisas inúteis; descobri que as palavras não têm margens; que a poesia me desbravou por completo; conheci a espessura do amor; passei a incorporar a poesia, e não mais querer compreendê-la.
Enfim, com Manoel de Barros surge, para mim, a melhor designação de poesia: “armação de objetos lúdicos com emprego de palavras e imagens cores sons etc.”, e a insuperável definição de poeta: “Indivíduo que enxerga semente germinar e engole céu. Espécie de um vazadouro para contradições. Sabiá com trevas. Sujeito inviável: aberto aos desentendimentos como um rosto.”
Certa vez Millôr Fernandes disse, com seu humor irreverente, que poesia é um milésimo do que se publica como poesia. Manoel de Barros é aquele milésimo. Conhecer a poesia de Manoel de Barros pela amizade foi o melhor estorvo que me aconteceu!