Artigos e Opinião

CORREIO B

Leia o artigo ''Arranjos para amizade''

Leia o artigo ''Arranjos para amizade''

Herbert Covre Lino Simão

13/12/2014 - 00h00
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Há muitas maneiras de conhecer a poesia de Manoel de Barros. A melhor delas é a amizade. E foi um grande amigo, Alexandre de Almeida, que em outubro de 1989 me enviou o livro “Arranjos para Assobio”. 

A leitura de Manoel de Barros é deslumbrante em qualquer época da vida, mas, aos 17 anos, causa uma  verdadeira metamorfose dos sentidos.

A pequena grande obra de 61 páginas, editada em 1982 pela Civilização Brasileira, teve a capa desenhada por  Millôr Fernandes e a orelha do livro assinada pelo editor Ênio Silveira, com uma evocação de Rimbaud: “Manoel de Barros é acima de tudo um vidente. Tendo os pés  fincados na realidade do quotidiano e, ao mesmo tempo, a  consciência crítica das ações e reações que a determinam e condicionam, sua refinadíssima sensibilidade poética lhe permite constatar que nas coisas e nos gestos mais  simples e aparentemente óbvios se encerra um infinito de transcendência, de mistério, cuja revelação melhora o  homem e lhe dá razão de ser”.

“Um dos mais insólitos livros de poesia já publicados  no Brasil nos últimos anos.” É assim que Ênio ilveira  afirma a importância do livro de Manoel de Barros.

Antônio Houaiss apresenta a obra com prazer, ao dizer: “Acompanho esta poesia humildemente: recebo-a como se em estado de graça, me comprazo com ela e – por  instantes, graças a ela – me comprazo com o mundo e até comigo mesmo”.

E Houaiss repele a classificação acadêmica da poesia  de Manoel de Barros como se fosse uma novidade surgida  nos anos 80: “Acompanho a poesia de Manoel de Barros – esse sul-mato-grossense que por tantos anos viveu no Rio de Janeiro sem jamais dessulmatogrossizar-se –, acompanho  sua poesia desde há muito. E não conheço poesia que  desconfie tanto de si mesma e poeta que desconfie tanto  de si mesmo.”

Para além dos cânones literários, Houaiss reconhece a especificidade da poesia de Manoel de Barros: “é poesia que abre seu lugar próprio em seu próprio território sob sol próprio e sua própria imagem física e moral e verbal e estética, em que há um humilde (e sábio) demiurgo”.

Assim, com amizade, Manoel me foi apresentado como  uma ventura que vale a pena ler. Aprendi a me preocupar com coisas inúteis; descobri que as palavras não têm  margens; que a poesia me desbravou por completo; conheci  a espessura do amor; passei a incorporar a poesia, e não  mais querer compreendê-la.

Enfim, com Manoel de Barros surge, para mim, a melhor designação de poesia: “armação de objetos lúdicos com  emprego de palavras e imagens cores sons etc.”, e a  insuperável definição de poeta: “Indivíduo que enxerga  semente germinar e engole céu. Espécie de um vazadouro  para contradições. Sabiá com trevas. Sujeito inviável:  aberto aos desentendimentos como um rosto.”

Certa vez Millôr Fernandes disse, com seu humor  irreverente, que poesia é um milésimo do que se publica  como poesia. Manoel de Barros é aquele milésimo. Conhecer a poesia de Manoel de Barros pela amizade  foi o melhor estorvo que me aconteceu!

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

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A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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