Os últimos dias foram intensos, seja pelo calor e a consequente vontade de não pensar em nada, seja pelas pendengas envolvendo censura a exposições de arte, ou, ainda, pelo desencanto com as circunstâncias políticas brasileiras. Se eu fosse poeta, poderia falar bem baixinho (porque estou até aqui de barulho): “O tempo nada dirá mas eu o preveni, O tempo só sabe o preço que temos a pagar; Se eu pudesse dizer você saberia”.
Outro dia, lendo um historiador da arte, grifei uma passagem do texto que dizia: “Não é verdade que a arte é uma linguagem universal que todos podem entender”.
De fato, a gente se prepara para ter uma profissão, para tirar o melhor das relações pessoais, para apreciar um bom vinho, etc. Quando se trata de arte, parece que não é necessário, basta gostar. Não basta. Vai daí o horror que estamos vendo. Se a arte tivesse limites e quisesse agradar a todos, não seria arte. Seria religião, partido político, confraria. Ou lazer.
Desde há muito tempo, o Museu deixou de ser um templo e a obra de arte, um objeto de culto. Hoje, todos podem entrar em um museu, passear diante das obras expostas e tirar fotos (desde que não haja a proibição) diante de obras reconhecidamente famosas.
Aliás, grande parte dos turistas só entram em museus para tirar fotos e visitar as lojinhas. Algumas exposições oferecem um cenário para que os visitantes possam fazer suas poses. Assim, todos podem se divertir, podem gostar, mas muito poucos se esforçam para entender o significado de uma obra, porque este depende, primeiro, da disponibilidade para apreendê-la, depois, da experiência que temos dos fatos artísticos, do conhecimento da história da arte, do contexto de sua produção.
Quando se trata de arte contemporânea, então, a coisa fica muito mais grave, porque a experiência está muito próxima e o risco de se fazer leitura literal é muito maior. “Você vê o que você vê” é uma resposta entediada que pode ser levada a sério. Mas também pode provocar estragos como os que vimos na semana que passou.
Todas essas questões me fizeram lembrar de um texto escrito por Schiller, na época do romantismo, chamado “Poesia Ingênua e Sentimental”, e que foi retomado pelo escritor turco Orhan Pamuk, Nobel de Literatura em 2006, no livro de ensaios “O Romancista Ingênuo e o Sentimental”.
Do mesmo modo, podemos falar do artista, do leitor e do observador dentro dessas categorias. O ingênuo está irmanado com a natureza; na verdade, é como a natureza – calma, cruel e sábia. Não vê muita diferença entre sua percepção do mundo e o mundo em si. O sentimental é emocional e reflexivo.
Inquieta-se pela simples razão de que não tem certeza se suas palavras vão dar conta da realidade, se seus enunciados vão transmitir o sentido almejado por ele. Assim, questiona tudo que percebe, até mesmo os próprios sentidos.
Talvez fosse bom pensar sobre essas possibilidades e, quem sabe, não apenas ouvir cantar o galo, mas verificar se ele não cantou três vezes seguidas.