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José Neres: "Docência: profissão de alto risco"

Professor, escritor e doutorando em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Uniderp

Redação

26/07/2017 - 01h00
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Não faz muito tempo, os maiores riscos imaginados por alguém que sonhasse em seguir a carreira do magistério era adquirir alguns nódulos nas pregas vocais (uso excessivo da voz), ter problemas respiratórios (exposição constante ao pó de giz), enfrentar dores articulares (posição inadequada e esforços repetitivos), cansaço na visão (horas mais horas corrigindo tarefas escolares), e, possivelmente, um cansaço extremo no final de uma dura jornada de trabalho. 

Com o tempo, alguns desses riscos foram sendo minimizados, como é o caso da ausência do giz, que vem senso paulatinamente substituído pelos marcadores para quadro branco e de outras pequenas vantagens conquistadas pela categoria, mas que não são suficientes para tirar a categoria docente do rol de profissões de excessivo risco para a saúde física e mental do ser humano.

Contudo, o pior é que, nos últimos tempos, um fator que antes era praticamente desprezível, de tão raras que eram suas ocorrências, tem contribuído para tornar mais tensas e inseguras as atividades de professores e professoras de todo o Brasil: a violência dentro e fora dos muros das escolas.

Durante muito tempo, violência só adentrava à escola como tema de redação ou como assunto das aulas de estudos sociais. Atitudes tidas como violentas de alguns alunos eram reprimidas com atividades de conscientização, advertências, suspensões ou, em casos limítrofes, com expulsões.

Os pais eram chamados à diretoria e se responsabilizavam pelas atitudes inadequadas dos filhos. Professores e corpo diretivo das instituições de ensino confiavam tanto nas autoridades constituídas quanto na boa vontade de pais, alunos, comunidade e até mesmo na dos malfeitores das redondezas, que viam a escola como um local inexpugnável e livre dos perigos que rondavam as comunidades. 

Mas isso hoje faz parte de um passado romântico! As ameaçadoras frases como “vou te pegar lá fora”, “quando sair da escola você me paga” ou “se o professor não estivesse aqui, você ia ver” deixaram de ser ditas e a presença dos docentes não mais intimida os agressores, que não veem mais os portões da escola como limite para suas atitudes violentas.
Além de conviver com constantes cenas de agressões, tráfico de drogas e furtos nos arredores das instituições de ensino, os professores vivem em constante medo de serem alvo dessas ondas de fúria dentro e fora das salas de aula. Ataques físico e verbais há um bom tempo começaram a fazer parte do currículo dos integrantes do magistério e dos demais profissionais envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.

Na internet e nos diversos aplicativos virtuais, circulam vídeos, fotos e relatos de professores que foram agredidos durante o exercício da profissão, às vezes pelos próprios alunos que receberam os ensinamentos e que, por algum motivo, sentiram-se desafiados ou contrariados.

Xingamentos, puxões de cabelos, mordidas, pontapés e ameaças de espancamento ou mesmo de morte sofridos em sala de aula somam-se aos pneus furados, carros amassados e equipamentos furtados nas imediações dos centros de ensino. Tudo isso sem contar as escolas invadidas e depredadas por meliantes.

Desprotegido e sem expectativas, muitos professores decidem afastar-se das atividades, mudam de profissão ou se obrigam a conviver com as incertezas oferecidas por uma digna profissão que precisa ter suas bases revistas não apenas pelos profissionais, mas também pela família e pelas autoridades competentes.

Isso precisa mudar. Escola tem que ser um lugar seguro para todos. Professores são, sim, heróis, mas seus poderes não incluem tirar do corpo e da memória as marcas de tanta violência.

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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