Artigos e Opinião

OPINIÃO

José Luiz Magalhães de Freitas: "Greve nas universidades federais"

Professor doutor nos cursos de graduação e pós-graduação em Educação Matemática – INMA

Redação

27/08/2015 - 00h00
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Nas duas últimas décadas, as universidades federais passaram por dois governos, com políticas educacionais bem diferentes. No primeiro, governo PSDB, os investimentos no setor foram pífios, além de congelamento de salários, houve um claro processo de sucateamento das universidades federais, resultado de uma ausência de rumos dotados de estabilidade. No segundo, governado pelo PT e apoiado por outras legendas, aliadas com o compromisso de superar desafios sociais, houve um investimento nas instituições federais de Ensino Superior, em infraestrutura, com ampliação das edificações, dos recursos humanos, expandindo o número de universidades e institutos federais de educação. No entanto, ao considerar o início de certa euforia na expansão das questões sociais, pode-se dizer que o desalento atual confunde-se com um amargo sentimento de traição do grupo que se apoderou da Presidência da República.

Sendo assim, várias questões inquietam a população brasileira, em pontos que vão muito além das universidades. Afinal, por que fazer tantas greves agora, neste momento de crise econômica e grave crise política do País? Em que sentido o pleito da classe universitária está em sintonia com as massas populares? É por causa da perda salarial? É pela implantação de um plano de cargos e salários? É em decorrência dos graves cortes orçamentários para a educação superior? É para garantir condições mínimas necessárias para o desenvolvimento de ensino e pesquisa? O que mais poderia ter levado funcionários e professores à paralisação de suas atividades? Com toda certeza, não há uma única causa, mas provavelmente todas as mencionadas e mais algumas. Não pode ser esquecido que um dos motivos para justificar a greve, nem sempre explicitável com clareza, passa por uma indigesta sensação de que a nação foi traída no último pleito eleitoral. 

É fato que a greve deve ser o último recurso e, embora deflagrada por assembleias da comunidade universitária, ela não é total. De modo geral, a greve é mais intensa nos cursos de graduação. Em nível nacional, a maioria dos cursos de pós-graduação de mestrado e doutorado não aderiu à greve, embora alguns, particularmente da área de humanas, suspenderam suas aulas. Aqui na UFMS, por exemplo, os programas de pós-graduação em Educação, em Ensino de Ciências e em Educação Matemática aderiram parcialmente à greve, mantendo em funcionamento orientações, trabalho de pesquisa, bancas e o processo seletivo. Além disso, embora quase a totalidade das universidades federais esteja paralisada, em algumas, o movimento é parcial, outras entraram em greve neste mês de agosto e, por enquanto, só os docentes da UFRJ decidiram encerrar a greve na assembleia do dia 21/08/15, após dois meses de paralisação. 

Esta greve nacional dos docentes das universidades federais foi deflagrada após cortes nos seus orçamentos e outras medidas de ajuste fiscal. Apesar da nota do MEC, afirmando estar “atuando no sentido de garantir os recursos de custeio necessários para o funcionamento das universidades e dos institutos federais”, houve corte de até 75% no repasse de verbas para vários programas; por exemplo, para o Programa de Apoio à Pós-Graduação (Proap), bem como de apoio a estudantes de cursos de graduação. As tentativas de cortes no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) geraram protestos tão grandes, inclusive da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que ele acabou sendo mantido. Além disso, haviam também pendências em relação ao acordo assinado com a Sesu/MEC em 2014, para a reestruturação da carreira docente e, com relação à Lei nº 12.772, de 2012, que propôs reajustes que não repuseram a inflação do período e que, segundo o sindicato Andes, contribuíram para “aprofundar a desestruturação da carreira”. 

Com a greve, o ano letivo fica prejudicado. Sem dúvida, os mais prejudicados neste momento são os alunos que estão sem aulas, alguns correndo o risco de não concluírem seus cursos no tempo previsto. No entanto, o objetivo principal desta greve é a luta em defesa da universidade pública, pela garantia dela cumprir com responsabilidade o oferecimento de uma educação pública, gratuita, democrática, laica e de boa qualidade. Para isso, é preciso condições mínimas para o desenvolvimento do ensino e da pesquisa, da ciência e da tecnologia, tão importantes para o bem-estar social e a consequente diminuição do sofrimento humano. 

Concluindo, como todo momento de crise, é também uma oportunidade para refletir sobre as razões mais profundas do atual sentimento de indignação, é oportuno lembrar que, no último século, o País passou por 40 anos de ditadura, 15 de Vargas e 25 praticada pelos militares e pelas oligarquias do País. Talvez estejamos pagando o preço pela ausência de líderes políticos que poderiam ter sido formados no tempo perdido pelos desmandos dos ditadores desse tempo relativamente recente.

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

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A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

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A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

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