Artigos e Opinião

OPINIÃO

Hermano de Melo: "A morte do indígena guarani-kaiowá Semião Vilhalva"

Hermano é jornalista e escritor

Redação

13/09/2015 - 00h00
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Reportagem de página inteira assinada por Celso Bejarano e publicada em 9/9 último no jornal Correio do Estado revela de forma inequívoca o que aconteceu em 29 de agosto passado, quando um grupo de 100 ruralistas montados em modernas caminhonetes adentrou as fazendas Barra e Fronteira, no município de Antônio João, MS, a fim de retomar área que segundo eles havia sido invadida por indígenas. Tudo seria considerado “normal” se incidente grave não tivesse acontecido: o índio Guarani-Kaiowá Semião Fernandes Vilhalva, 24 anos, foi morto por tiro disparado à longa distância com arma de calibre 22 e de autoria ainda desconhecida.  

A versão dos fazendeiros que entraram na área foi de que ao chegarem lá o índio já estava morto e seu corpo – caído na estrada que conduz à fazenda Fronteira – estava em estágio de rigidez cadavérica, ou seja, teria morrido bem antes. Mas conforme um policial federal a ideia de que o corpo já demonstrava rigidez cadavérica não procede. “Pedi mais exames e também aguardo a perícia feita no local do crime. Oficialmente, o que a autopsia diz é que o índio teria morrido entre 7h e 15h do dia 29”, reforçou o delegado. O fato é que nesta região índios e fazendeiros disputam pelo domínio de terras desde 2005, ano em que o ex-presidente Lula decretara 9,3 mil hectares como Terra Indígena (TI). 

Ainda segundo a reportagem de Bejarano, a retomada das fazendas Barra e Fronteira à força foi definida em assembleia no Sindicato Rural de Antônio João horas antes. Ali, em determinado momento da reunião, Roseli Ruiz, presidente da entidade, disse que ia voltar para a casa, no caso a fazenda Barra, invadida por índios uma semana antes. “E quem quiser que me acompanhe”, disse ela. Dali seguiu para a fazenda uma fileira de caminhonetes, sem acompanhamento policial (?).

O que chama atenção no relato de Bejarano é que ao tentarem se juntar à caravana de pecuaristas, quando esta se dirigia às fazendas-alvo, faltando apenas 1,5 km para chegarem ao destino, os coordenadores da expedição ordenaram que a reportagem do Correio voltasse e não presenciasse o desfecho da retomada das fazendas. E acrescentaram: “Daqui em diante, vocês não vão ver o que vai acontecer”, disse um dos ruralistas, que ameaçou “riscar” os pneus do carro caso insistisse. Ao que parece, eles não queriam testemunhas sobre o que iria acontecer em seguida...

É importante dizer, porém, que o ritual seguido pelos fazendeiros na retomada das fazendas em Antônio João, Mato Grosso do Sul, com a morte de Simeão, baleado à distância, não é diferente de episódios semelhantes que ocorreram na tentativa de desocupação de outras propriedades consideradas Terras Indígenas no Estado. 

Foi assim, por exemplo, na desocupação da Terra Indígena Buriti, em Sidrolândia, MS, em maio de 2013, quando o indígena Oziel Gabriel, 35, foi morto com um tiro à longa distância. Naquela ocasião, o ministro da Justiça José Eduardo Cardozo declarou: “No momento é impossível dizer quem matou. [Não sabemos] se foi Polícia Federal ou Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. Vamos apurar com muito rigor, o mais rápido possível, se houve abuso ou infringir da lei”, afirmou Cardozo. Acrescentou ainda que a corregedoria da PF tem sido “muito rigorosa a infrações funcionais dos seus delegados, agentes peritos”. Até hoje ninguém foi punido.

O mesmo parece ter ocorrido com a morte do cacique Guarani-Kaiowá, Nísio Gomes – acampamento Guaiviry, em Aral Moreira, MS,  fronteira com o Paraguai – assassinado de forma cruel em 18/11/2011, embora o corpo esteja desaparecido até os dias de hoje. (Michelle Rossi / Correio do Estado). Isto sem contar com a morte de outras lideranças indígenas, desde o assassinato de Marçal de Souza em priscas eras (25 de novembro de 1983). Vamos esperar, porém, que desta vez a justiça seja feita e os responsáveis pela morte de Simeão Vilhalva sejam severamente punidos com os rigores da lei, apesar dos tempos conservadores que se vive no momento.

EDITORIAL

Propag: uma decisão que dura décadas

O secretário de Estado de Fazenda de Mato Grosso do Sul pode até decidir o que prefere destacar, o que não pode é decidir o que a sociedade tem o direito de conhecer

16/12/2025 07h15

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O Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag) foi desenhado para revisar termos das dívidas estaduais e permitir quitação em até 30 anos, com encargos menores, atrelando parte do alívio fiscal a investimentos e mecanismos de equalização federativa.

O prazo de adesão termina no dia 31. Trata-se, portanto, de uma decisão com efeitos fiscais, políticos e institucionais de longo prazo.

É justamente por isso que causa estranheza quando um movimento dessa magnitude parece avançar sem publicidade compatível com o tamanho do que está em discussão. Ainda que os ritos formais estejam cumpridos, e o Diário Oficial exista para isso, há decisões que não se esgotam no “publicou e pronto”.

A adesão ao Propag mexe com dívida e espaço fiscal, e isso exige mais do que um carimbo burocrático: exige explicação, justificativa e escrutínio.

Matéria publicada pelo Correio do Estado apontou que a adesão pode ser benéfica e abrir folga fiscal bilionária para os próximos anos. Se isso ocorrer na prática, melhor ainda.

Mas, justamente por ser uma oportunidade desse porte, não faz sentido que a sociedade seja informada por textos que parecem exigir esforço de “investigação”, recortes, vazamentos, boatos e notas lacônicas para compreender o básico. Decisão pública não pode depender de rumor para vir a conhecimento.

O secretário não é apenas o gestor do caixa, é, por definição, o guardião das chaves do cofre e da confiança do governador.

Seu dever não é somente buscar a melhor alternativa financeira, mas assegurar que a população, o Legislativo e os órgãos de controle entendam o que está sendo feito – por que, com quais condições, com quais impactos e com quais riscos.

Publicidade, aqui, não é uma peça de marketing nem release, muito menos demanda jornalística, quando se dão ao luxo de responder, é transparência, informação completa, tempestiva e verificável sobre atos que mexem com o dinheiro de todos.

Quando uma medida desse porte avança sem clareza por parte do secretário, o problema deixa de ser meramente jurídico e passa a ser de transparência. O silêncio produz um efeito inevitável: parece tentativa de fugir de perguntas. E perguntas são inevitáveis e legítimas.

Quais são os termos efetivos da adesão ao Propag? Há contrapartidas obrigatórias? Quais metas de investimento são exigidas e em quais prazos? Que impacto a adesão ao programa traz para a capacidade de investimento do Estado nos próximos anos? Há cláusulas que podem amarrar decisões futuras? Serão oferecidos ativos com lastro? Se sim, quais? Como foram avaliados? Quem avaliou? Esse tipo de compromisso atravessa mandatos e o que ficará para a próxima geração.

Boa governança começa pelo óbvio: se a decisão é boa, não há motivo para tratá-la sob reserva. Pelo contrário, quem tem convicção expõe os fundamentos, abre números, apresenta cenários e convida ao debate. Transparência não atrapalha, transparência protege a própria decisão.

Nada disso impede a adesão ao Propag, pelo contrário, torna a adesão mais legítima e menos vulnerável a ruídos. O que fragiliza não é a discussão, é o vazio de explicações.

O secretário precisa compreender que publicidade não é um favor à imprensa nem ao cidadão, é um dever institucional. É a materialização do princípio de que o erário não pertence a gabinete nenhum, pertence à sociedade.

Se o Propag é uma oportunidade, que seja tratado como tal: com informações completas. Se o secretário quer ser reconhecido como pilar de responsabilidade, não pode agir como se decisões fiscais estruturantes fossem assunto restrito a poucos. Confiança é ativo que não se negocia e, uma vez perdida, dificilmente se reconquista. 

ARTIGOS

Relaxa: você não precisa ter opinião sobre tudo

Estudo recente sobre comportamento em comunidades digitais revelou que quando alguém percebe que a opinião é minoritária, tende a manter o silêncio

15/12/2025 07h45

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Existe uma ansiedade silenciosa no ar: a sensação de que você deveria ter uma opinião pronta para cada assunto que aparece no feed. Um acontecimento político numa terça, um comentário de influencer numa quarta, uma treta musical na quinta.

E se você não fala nada, parece que está sendo omisso, alienado, cúmplice ou qualquer outra palavra grande que as redes adoram jogar. Mas a pergunta que vale mais do que todas as indignações do dia é simples: quem disse que você precisa opinar sobre tudo?

A verdade é que a internet criou uma espécie de olimpíada de opiniões. E a largada é dada a cada nova notificação. Só que, quando você olha os números, percebe que esse universo não é tão povoado quanto parece.

Uma pesquisa mostrou que 55% dos americanos já deixaram um comentário on-line em algum momento e 77,9% já leram comentários. Significa que tem muita gente olhando, mas só metade de fato escrevendo alguma coisa.

Quando se vai para os jovens, 55% dizem postar opiniões com frequência e 71% afirmam estar mais confiantes do que nunca para fazê-lo. De novo, parece muito, mas não é todo mundo. É só uma parte barulhenta.

Do outro lado tem um dado incômodo. Um estudo recente sobre comportamento em comunidades digitais mostra que, quando alguém percebe que a opinião dele é minoritária, 72,6% simplesmente ficam em silêncio.

A espiral do silêncio continua funcionando mesmo num ambiente que promete liberdade absoluta para falar o que quiser. Ou seja, o barulho das redes às vezes é menos democracia e mais repetição. A impressão de que “todo mundo está falando” pode ser só a repetição de um mesmo grupo de pessoas com muita disposição e pouco cansaço.

E vale lembrar que esse palco é enorme. O mundo tem 63,9% da população usando redes sociais. É muita gente. São horas diárias rolando tela, consumindo milhares de pequenos estímulos. Nesse ambiente, a opinião virou quase um gesto automático.

Às vezes você nem sabe exatamente o que pensa, mas já sente a pressão de ter que dizer alguma coisa. Ser rápido se tornou mais importante do que ser cuidadoso. E isso tem consequência.

Opinar o tempo todo transforma a discussão pública em uma competição permanente. Você não compartilha uma ideia, você disputa espaço. E existe um dado que mostra o quanto isso escalou: em uma pesquisa internacional, 20% das pessoas disseram que às vezes é necessário ser rude nas redes para que sua opinião seja ouvida.

Um quinto das pessoas já acredita que a forma de existir no debate é gritando. Não tem nada de saudável nisso. Só desgaste.

Talvez seja por isso que, silenciosamente, muita gente está cansada. Opinar sobre tudo virou um tipo de exaustão emocional. Até porque, para opinar sobre tudo, é preciso estar o tempo todo sabendo de tudo. E começar a falar menos pode não ser um gesto de covardia, mas de inteligência.

Você não precisa ser comentarista integral do mundo. Pode escolher onde sua voz realmente importa. Pode esperar. Pode investigar. Pode até mudar de ideia sem precisar explicar isso para ninguém.

Quando quase metade das pessoas não comenta e três quartos se calam quando acham que estão sozinhas, significa que o silêncio não é falta de interesse. É um pedido de pausa. É uma escolha. Não é uma desistência do debate, é só uma forma de não ser engolido por ele.

A ideia de que você precisa ter opinião sobre tudo é só mais uma pressão inventada pela lógica das plataformas. Você não é obrigado a entrar em todas as conversas. Nem deve. O valor da sua voz não está na frequência, está na relevância.

E, às vezes, a decisão mais lúcida é ficar quieto por alguns minutos, horas ou dias. Porque pensar é um processo mais lento do que postar. E tem coisas que não precisam de urgência. Precisam de reflexão. Aliás, a maioria delas.

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