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Fábio Trad: "O testemunho do 'ouvi dizer' – uma brincadeira de mau gosto"

Advogado e professor

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Prezado leitor, permita-me chegar até você, para algumas singelas perguntas: se, por acaso, um dia você for publicamente acusado de ter cometido um crime que não praticou, o que faria se soubesse que a pessoa que o acusou se baseou apenas naquele famoso “ouvi dizer”?

Você ficaria inerte ou assumiria a responsabilidade de defender o seu nome, buscando os meios legais?
Pois é justamente em virtude de acusações baseadas em “ouvir dizer” que alguns vereadores de Campo Grande estão na iminência de serem afastados dos cargos para os quais foram eleitos.

Ainda que você não goste de políticos, tenha ojeriza de política ou repudie tudo isso que está aí (e acho que, em boa parte, com razão), acho que você não gostaria que um filho seu, por exemplo, fosse condenado porque um desafeto afirmou que “ouviu dizer” que ele teria feito algo errado. 

Se você acha que tem mesmo que condenar todo aquele que for apontado como criminoso por alguém que “ouviu dizer”, prepare-se, porque você poderá ser o próximo acusado... e condenado!

O testemunho do “ouvir dizer” é um velho conhecido do Direito. Seu valor como prova é quase nulo, porque é manipulável e de duvidosa credibilidade. No Direito Inglês, por exemplo, o “hearsay” (testemunho do “ouvi dizer”) é passível de exclusão e proibição valoratória.

Se o testemunho por “ouvir dizer” não é levado a sério pelos juízes sérios, que, de forma serena e imparcial, julgam as condutas humanas, imaginem como deve ser considerado o “hearsay testimony” quando ocorre no terreno da política partidária?

Apenas os torcedores manifestamente parciais e tendenciosos levam a sério uma “prova” dessas. É que na política vicejam paixões que, naturalmente, desvirtuam percepções e juízos valorativos, levando ao que o jurista Aury Lopes Júnior denomina de “verbalização ampliada” como expressão da falta de objetividade e retrospectividade, características imprescindíveis ao testemunho dotado de credibilidade.

Também não se pode ignorar a grave possibilidade de se manipular o conteúdo do depoimento para que seja adequado aos interesses político-partidários de quem o presta. Aqui, cabe recordar o filósofo Nietzsche quando dizia que, “mais relevante do que foi afirmado, é saber quem afirma”...

Se o testemunho de um agente político envolvido nas pelejas político-partidárias, por si só, já deve ser recebido com reservas, sobretudo, quando direcionados aos seus desafetos e inimigos, o que dizer quando o depoimento do político é feito na base do “ouvir dizer”?

Levá-lo a sério é uma brincadeira de muito mau gosto.

Se todo cidadão que se achar no direito de disparar sua metralhadora cheia de mágoas contra seus inimigos e desafetos (baseado  no “ouvir dizer”) encontrar respaldo no Judiciário, já podemos nos despedir da democracia e começarmos a preparar os joelhos para nos submeter à mais odiosa das ditaduras. 

O Poder Judiciário é a esperança da saúde de nossa Democracia. Não basta ser justo; é preciso ter coragem. Eu acredito no Poder Judiciário, porque a sua verdade resplandece na humildade de suas decisões falíveis; afinal, na prática, são quatro as possibilidades de corrigir um erro. 

A toga da magistratura brasileira jamais se preocupou em ampliar seus poderes para fazer o que não lhe cabe. É o poder que se legitima pela força de sua autoridade constitucionalmente assegurada, daí porque confiar no seu compromisso com a legalidade constitucional é mais do que um ato de credulidade; é um ato de fé na própria democracia.

Repudiemos todos os testemunhos fofoqueiros, porque com Justiça não se brinca impunemente!