Artigos e Opinião

ARTIGO

"Destruição da lei do descanso: quanto vale a vida de um motorista?"

Paulo Douglas Almeida de Moraes -Procurador do Trabalho, coautor da Ação Civil Pública que deu origem à Lei n. 12.619/2012

Redação

16/02/2015 - 00h00
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O homem é o lobo do homem
Thomas Hobbes 

A aprovação, pelos membros da casa do povo, da proposta que condena a trabalhos forçados todos os motoristas profissionais brasileiros nos remete aos debates filosóficos travados na academia, onde se busca resposta para a inquietante questão sobre a natureza humana: seria o homem essencialmente bom ou perverso por natureza?

Logo após a divulgação pela PRF de que pelo quarto ano consecutivo houve redução no número de acidentes e mortes nas rodovias. Em plena década na qual o Brasil se comprometeu perante o mundo em reduzir pela metade a violência no trânsito. Num país com um dos fretes rodoviários mais baratos do planeta. Num momento econômico, aparentemente duradouro, de ampla vantagem cambial para o escoamento das commodities nacionais, em especial do soja. Num ano no qual o Brasil deverá, mais uma vez, colher safra recorde de grãos. 

Num contexto como esse, o que fez o Congresso Nacional? Aprovou proposta que, que dentre outras atrocidades, impõe ao motorista profissional, seja ele condutor de caminhão ou de ônibus urbano ou rodoviário, jornadas de até doze horas de trabalho e, em alguns casos, podendo ser estendidas sem qualquer limite; reduz de onze para apenas oito horas o descanso entre um dia e outro de trabalho; que autoriza o pagamento por comissão; que cria a figura do motorista autônomo auxiliar, sem vínculo empregatício ou qualquer outra proteção jurídica; que prescreve tolerância de excesso de peso da carga, admitindo assim uma inusitada lei que permite o descumprimento da lei; que transfere o ônus do vício em drogas, vício este induzido pelo sistema, para a vítima - o motorista.

Ora, se a lei do descanso (Lei n. 12.619/12) já vem salvando milhares de pessoas, se esta lei, diversamente do que afirmavam seus críticos, se mostrou plenamente viável e não embaraçou o escoamento da enorme safra de 2014, se o Brasil passa por momento macroeconômico que favorece o agronegócio e se o frete rodoviário continua comparativamente barato, qual é a razão para legalizar as condições subumanas de trabalho do motorista profissional brasileiro? Qual a razão para economizar alguns centavos no frete e continuar a gastar bilhões de reais em tratamento com mortos e feridos nas estradas?

A resposta é simples: não há nenhuma justificativa razoável. Trata-se de um capricho da maior e mais poderosa bancada do Congresso Nacional – a bancada ruralista. É uma forma de ela mostrar quem manda, ainda que essa demonstração custe milhares de vidas que se perderão nas estradas e que poderiam ser poupadas.

O único erro estratégico dos ruralistas foi, neste ímpeto de barateamento do custo de transporte, o de ferir interesses de outro segmento poderoso, o das concessionárias de rodovias, pois ao isentar do pedágio os eixos suspensos de caminhões descarregados e ao admitir tolerância de até 10% no sobrepeso, além do Congresso agravar, com esta última medida, as condições de trabalho e segurança dos motoristas, seja pela redução de eficiência do sistema de frenagem dos caminhões, seja pela elevação no nível de vibração no veículo, acabou por mexer no “queijo” das concessionárias.

Esse erro, que já implicou num nó que custou bastante tempo para ser desatado no próprio Congresso, pois a expectativa dos ruralistas e das empresas de transporte era que as alterações já houvessem sido aprovadas em 2014, pode agora levar ao veto dos dispositivos ou de toda a proposta pela Presidência da República.

A matéria seguiu para o Planalto, e agora está com ele a palavra final. Vetar ou manter essa proposta irracional e atentatória ao interesse da sociedade.

Nossos representantes do povo, com honrosas exceções, já deixaram claro que para eles a vida dos motoristas nada vale, esperemos agora que a resposta da Presidência da República seja mais sensata, sob pena de termos que concluir que Hobbes tinha mesmo razão: o homem é o lobo do homem.

EDITORIAL

O paralelo entre o consórcio e a Enel

A greve dos motoristas de ônibus, motivada pela incapacidade financeira do concessionário de honrar os salários de seus empregados, é o fundo do poço de um contrato problemático

18/12/2025 07h15

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A população de Campo Grande caminha para viver uma semana lamentável na prestação de serviços essenciais, em especial no transporte público.

A iminência de paralisações, a insegurança sobre a continuidade das linhas e o desgaste cotidiano enfrentado pelos usuários expõem, de forma escancarada, um sistema que já vinha dando sinais claros de esgotamento. O que se vê agora não é um episódio isolado, mas o ápice de uma crise que se arrasta há anos.

A greve dos motoristas de ônibus, motivada pela incapacidade financeira do concessionário de honrar o pagamento dos salários de seus empregados, representa o fundo do poço de um contrato problemático.

Um contrato que resulta em um serviço aquém do esperado, marcado por frota envelhecida, atrasos constantes, superlotação e uma satisfação baixíssima da população. Quando trabalhadores deixam de receber e usuários ficam sem transporte, fica evidente que o modelo fracassou.

A situação revelada durante a greve escancara uma verdadeira falência contratual. Não se trata apenas de um colapso financeiro, mas também de uma falência de credibilidade junto aos usuários, às instituições e ao próprio poder concedente.

O paralelo com a crise vivida pela concessionária de energia elétrica Enel, em São Paulo, é inevitável. Assim como ocorreu no setor elétrico paulista, o problema deixou de ser apenas técnico ou pontual e passou a comprometer a confiança no serviço prestado e na capacidade de resposta da concessionária.

A demonstração mais clara desse cenário lamentável foi a intervenção da Justiça no Consórcio Guaicurus, decidida nesta semana. Ainda que se discuta se a intervenção será, de fato, efetivada ou em que moldes ocorrerá, o simples fato de o Judiciário ser chamado a intervir já evidencia a gravidade da situação.

Quando contratos de concessão chegam a esse ponto, é sinal de que todos os mecanismos de fiscalização e correção falharam ao longo do caminho.

Independentemente do desfecho jurídico, o que se impõe é a necessidade urgente de mudar a forma de prestar o serviço de transporte público em Campo Grande. Não se resolve um problema estrutural com medidas improvisadas, paliativos ou decisões baseadas em achismos.

É indispensável uma ampla revisão do modelo, com estudos técnicos consistentes, um desenho financeiro sustentável e metas claras de qualidade e eficiência.

Há cerca de dois anos, o governo do Estado, que tem acumulado experiência em parcerias público-privadas, dispôs-se a auxiliar o Município na busca por soluções. Não está claro, até agora, se essa ajuda foi efetivamente buscada ou aproveitada pela administração municipal.

O fato é que oportunidades de cooperação técnica e institucional não podem ser desperdiçadas quando está em jogo um serviço essencial para a vida urbana.

O que está absolutamente claro é que algo precisa ser feito – e com urgência. Mais do que uma greve de motoristas, a situação vivida nesta semana é um grito coletivo por melhoria do transporte público.

É o clamor de trabalhadores que querem receber em dia, de usuários que exigem dignidade e de uma cidade que não pode continuar refém de um sistema falido. Ignorar esse alerta é condenar Campo Grande a repetir, indefinidamente, os mesmos erros e as mesmas crises.

ARTIGOS

Greve de ônibus em Campo Grande expõe falhas de gestão e fragilidade institucional

Quando um serviço essencial entra em colapso, evidencia-se a ausência de planejamento, de fiscalização eficiente e de mecanismos de mediação capazes de prevenir crises que afetam diretamente a vida da população

17/12/2025 07h45

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A greve de ônibus em Campo Grande vai além de um impasse pontual entre trabalhadores, empresas e poder público, ela escancara a precariedade da gestão atual e a fragilidade das instituições responsáveis por garantir a prestação adequada dos serviços públicos.

Quando o transporte coletivo – um serviço essencial – entra em colapso, evidencia-se a ausência de planejamento, de fiscalização eficiente e de mecanismos de mediação capazes de prevenir crises que afetam diretamente a vida da população.

As instituições que deveriam zelar pela entrega de valor à sociedade falham ao permitir que conflitos previsíveis cheguem a esse nível. A gestão pública, ao não exercer seu papel regulador com firmeza e transparência, transfere para o cidadão o custo da ineficiência administrativa.

A falta de diálogo estruturado, de contratos bem fiscalizados e de políticas de mobilidade consistentes cria um ambiente de instabilidade permanente, no qual greves se tornam recorrentes e quase naturalizadas.

O impacto econômico é imediato e amplo. Trabalhadores enfrentam dificuldades para chegar aos seus empregos, empresas perdem produtividade, o comércio registra queda no movimento e serviços essenciais operam de forma precária.

A economia como um todo sai perdendo, pois a interrupção do transporte coletivo afeta cadeias produtivas inteiras e aprofunda desigualdades, penalizando principalmente quem depende exclusivamente do ônibus para se deslocar.

Além disso, a paralisação traz consequências diretas para a saúde e o bem-estar de todos. Com a dificuldade de deslocamento, equipes responsáveis pelos serviços de asseio e conservação também são prejudicadas, resultando em deterioração das condições sanitárias em diversos ambientes, como escolas, supermercados, condomínios, etc.

Esse cenário favorece a proliferação de doenças, aumenta riscos ambientais e compromete a qualidade de vida.

Mais grave ainda é o prejuízo à cidadania. O direito de ir e vir é comprometido, assim como o acesso a serviços básicos, e a população passa a perceber o Estado como incapaz de cumprir sua função básica de garantir serviços públicos de qualidade.

Isso corrói a confiança nas instituições e reforça a sensação de abandono e descrédito na gestão pública.

A greve de ônibus, portanto, não deve ser vista apenas como um problema trabalhista ou operacional, mas como um sintoma de falhas estruturais.

Superar esse cenário exige uma gestão mais profissional, instituições fortalecidas, transparência nos contratos e um compromisso real com a entrega de valor ao cidadão. Sem isso, crises semelhantes continuarão a se repetir, com custos sociais, econômicos e sanitários cada vez mais elevados.

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