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OPINIÃO

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Daniel Viégas Barroso:
"Qual a pior violência!?"

Advogado criminalista, sócio do escritório FGBR Advogados em Campo Grande-MS

Redação

20/09/2014 - 00h00
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Toda semana, assistimos a uma série de violências. Basta vermos o noticiário, postagens nas redes sociais, programas na hora do almoço e pelo final da tarde, que o produto será a violência. Não necessariamente de cunho físico: ela pode ser uma ofensa moral, como a tão comentada injúria racial proclamada pela torcedora gremista, contra o goleiro do Santos. Mas, também, pode ser a violência dos políticos (caso do “mensalão”), a dos executivos (crimes de colarinho branco), como a simples criminalidade de rua, como roubos, furtos, homicídios, e por aí vai.

Por que a que mais chama a atenção nos telejornais é a violência de rua? Será o sangue? Ou será que é a mais palpável para a população? Dificilmente vemos notícias dos outros tipos de violência serem veiculadas na grande mídia por mais de um mês. Um exemplo é o caso da jovem Suzane Von Richthofen, condenada por matar seus pais, em 2002. É perceptível que, até os dias de hoje, ela é foco da grande mídia. Ainda cumprindo pena em regime fechado, recebe os holofotes quando recusa a progressão de regime para o semiaberto.

Mas existe uma violência camuflada: a institucionalizada, ou seja, perpetrada por aqueles que deveriam zelar pela proteção dos direitos fundamentais de qualquer ser humano. A quem caberia o zelo das garantias e da legalidade dos atos estatais, não o faz, acabando por  utilizar desta roupagem para cometer uma série de arbitrariedades e por não legitimar o Estado de Direito, mas sim um Estado de Polícia tão latente na década de 40, época da publicação do Código Penal e de Processo Penal.

A política de Lei e Ordem não pode ser mais aventada como um exemplo. Nos Estados Unidos, onde a massa carcerária é a maior do mundo, nunca se prenderam e cometeram tantas atrocidades contra latino-americanos. E isso sempre foi realizado na busca de neutralizar o “inimigo”, calcado pelo medo, como sinaliza Aury Lopes Jr em seu livro denominado ‘Introdução Crítica ao Processo Penal’. Por outro viés, vemos muita atrocidade naquele país, que não vemos no Brasil, como serial killers (aqui temos, bem verdade, porém, lá é corriqueiro), crianças que matam colegas em sala de aula, entre outros casos de violência. É outra cultura, e, lá, há prisão perpétua e pena de morte e, mesmo assim, NUNCA diminuíram os índices de violência. Ao contrário, só aumentam. Então, não adianta importar!

Por outro lado, enquanto a investigação no Brasil continuar sendo realizada em delegacias, sem a presença de um defensor (público ou privado), os indiciados irão continuar sendo alvo de uma série de arbitrariedades. Principalmente pelo fato de rezar abalizado pelo princípio fundante do Código de Processo Penal, da década de 40, que não vigora, nesta fase processual, o contraditório. Discurso este, que legitima a violência institucionalizada, pois, nesta época, simplesmente vivíamos sob o Regime da Ditadura de Vargas!

]Assim, delegados e juízes calcam suas diligências ou decisões na literalidade dos textos expressos nessa lei antiga, sem, contudo, interpretá-la de acordo com a Constituição Federal de 1988. Por exemplo: como uma testemunha intimada para prestar depoimento na Delegacia, pode ser alvo de Reconhecimento. Isto é: como pode fazer eventualmente prova contra ela mesma, sem sequer ter sido indiciada? Pois versa o art. 226 do Código de Processo Penal que “quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento da pessoa(...)”. Ora, na década de 40, nos porões da Ditadura, valia tudo. Qualquer pessoa, considerada subversiva, já era mandada para Delegacia, já era “fichada” e a polícia lhe mostrava as “boas vindas”! Agora, estamos em 2014, onde vige o princípio da presunção de inocência que adveio com a Constituição de 1988, dispondo que a todos presumirão sua inocência até que se prove o contrário (por sentença transitada em julgado, ou seja, que não caiba mais recurso). Portanto, este princípio engloba a todos. Assim, ninguém - indiciado ou testemunha - deverá fazer prova contra sua vontade.  

Poderia escrever muito mais, mas o espaço é curto diante do tema. Ocorre que não podemos aceitar mais o discurso velho e ultrapassado do combate à violência, simplesmente com mais violência. Sabemos que a partir desse discurso, se vende mais e alimenta uma série de indústrias do medo. Mas, se realmente queremos diminuir a violência, o caminho há de ser outro, pois o atual, resta comprovadamente falido. A violência só aumenta, como bem ainda nos ensina o criminólogo Alessandro Baratta “Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir”. Pense nisso, caro leitor!!

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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