Artigos e Opinião

CORREIO DO ESTADO

Confira o editorial destaquinta-feira: "Assentamentos improdutivos"

Confira o editorial destaquinta-feira: "Assentamentos improdutivos"

Redação

16/11/2017 - 03h00
Continue lendo...

O Incra, que já tinha talento baixíssimo para promover assistência técnica, agora demonstra que, para o governo federal, o interessante mesmo é manter as terras improdutivas.

Reportagens publicadas por este jornal neste mês denunciam, por vários meios, que o sistema responsável pela distribuição, monitoramento e assistência aos lotes que foram disponibilizados em projetos de reforma agrária é ineficiente, situação que agrava problema que sempre foi crônico no Brasil: a má distribuição da propriedade rural.

Na última terça-feira, mostramos que só em Mato Grosso do Sul há 4.287 lotes de assentamento vazios, abandonados pelas pessoas que lutaram (ou não) por pedaços de terra como estes.

A resposta sobre o problema fornecida pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é, por si só, um atestado de incompetência do órgão público: esses lotes abandonados não podem ser recuperados, simplesmente porque o Sistema de Informações de Projetos de Reforma Agrária (Sipra) está inoperante.

Resumindo: a reforma agrária no Brasil, que já estava parada há vários anos por falta de vontade política dos governantes, agora também não pode ocorrer por causa da inércia e do desleixo das autoridades do Incra, que não conseguem consertar um sistema.

O programa de processamento de dados defeituoso, além de não permitir a retomada dos lotes abandonados pelos assentados que, por ironia do destino voltaram a ser sem-terra, também impede a inscrição de interessados no programa de reforma agrária. Portanto, a fila de pessoas que anseiam um espaço dentro de um assentamento continuará, por tempo indeterminado, com 23.939 inscritos.

O Incra, que já tinha um talento baixíssimo para promover assistência técnica e extensão rural (uma das causas do abandono dos lotes), agora demonstra que, para o governo federal, o interessante mesmo é manter as terras improdutivas. Por ironia do destino, a improdutividade sempre foi o principal argumento para desapropriar fazendas e entregá-las aos que pediam terra, usando como meio, na maioria dos casos, invasões de grandes propriedades.

O que fazer com os 4.287 lotes abandonados? Os sem-terra não quiseram. O Incra parece não ter qualquer interesse em entregá-los às pessoas que estão na fila já há algum tempo. Enquanto nada acontece, essas terras, que poderiam produzir alimentos para a população, estão sem dono e sem uso. O abandono dessas propriedades, potenciais geradoras de renda para Mato Grosso do Sul, também significa clandestinidade no campo.

Como a União não faz questão nenhuma de aproveitar essas terras, nem mesmo os sem-terra, que dizem ter lutado muito para conquistá-las, mas que provaram não ter vocação alguma para cultivá-las, seria importante que outros entes federativos, como estados e municípios, e o restante da sociedade civil, se mobilizassem para dar utilidade a elas. É preciso refundar todo o programa de reforma agrária do Brasil e desta vez, com a garantia que existam dois valores permanentes: eficiência, justiça e coerência.

EDITORIAL

As bolhas que nos afastam da realidade

Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis

17/12/2025 07h15

Continue Lendo...

A expressão “estar em uma bolha” deixou de ser apenas uma gíria de internet para se transformar em um retrato cada vez mais fiel da forma como a sociedade vem se organizando. Nas redes sociais, algoritmos direcionam conteúdos, opiniões e notícias de acordo com preferências previamente identificadas.

O resultado é um ambiente confortável em que quase tudo confirma aquilo que o indivíduo já pensa. Divergir passa a ser exceção e confrontar ideias, um incômodo evitado.

Fora do ambiente digital, a lógica das bolhas também se impõe. O isolamento crescente em condomínios fechados, verticais ou horizontais, reduz o contato cotidiano com o diferente. Ao limitar o convívio, o indivíduo perde a oportunidade de compreender realidades distintas da sua própria.

Torna-se, ao mesmo tempo, mais desconfiado e mais desinformado, conhecendo o mundo mais pelo “ouvir dizer” do que pela experiência direta. A realidade passa a ser filtrada, editada e, muitas vezes, distorcida.

As bolhas criam falsas impressões. Quando se consolidam em grupos, reforçadas pelo sentimento de pertencimento, geram uma perigosa falta de sintonia com o restante da sociedade. Problemas coletivos passam a ser relativizados, minimizados ou simplesmente ignorados.

A empatia dá lugar à autoproteção e o interesse público acaba substituído pela preservação de privilégios.

Nesta edição, mostramos um exemplo concreto dessa desconexão: o aumento do duodécimo para quase todas as instituições de Mato Grosso do Sul, mesmo após um ano marcado por crise financeira, enquanto cresce a sobrecarga sobre o Poder Executivo.

É sobre ele que recai, de forma quase exclusiva, o peso de enfrentar as dores reais da sociedade: da falta de recursos para serviços essenciais às demandas crescentes por saúde, educação, transporte e assistência social.

Essa discrepância orçamentária não é apenas um dado técnico. Ela reforça as bolhas institucionais. Enquanto uma parte do Estado amplia suas zonas de conforto, outra é pressionada a fazer mais com menos, arcando com o desgaste político e social das escolhas difíceis.

Trata-se de um desequilíbrio que aprofunda a sensação de injustiça e distancia ainda mais as instituições da realidade vivida pela população.

Seria desejável que integrantes das instituições que recebem repasses de duodécimo saíssem de suas bolhas. Que vivessem mais intensamente a realidade fora de gabinetes, relatórios e planilhas.

Que entendessem que, em tempos de dificuldades financeiras, reforçar privilégios e ampliar confortos institucionais não é apenas insensível, é socialmente injusto.

Romper bolhas não é simples, mas é necessário. Para indivíduos, para grupos e, sobretudo, para instituições públicas. A democracia e a justiça social exigem mais contato com a realidade concreta e menos acomodação em mundos protegidos. Caso contrário, seguiremos administrando percepções, e não problemas reais.

ARTIGOS

A Interpol e as lições do roubo ao Louvre: quando a cultura exige proteção global

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural

16/12/2025 07h45

Continue Lendo...

A Interpol é amplamente reconhecida por seus sistemas de avisos e pela atuação no combate ao crime organizado transnacional.

O recente episódio envolvendo o Louvre, porém, recoloca em evidência um ponto ainda subestimado no debate público: crimes não violentos, como o roubo de bens culturais, também demandam tutela internacional qualificada.

O tráfico de obras de arte e de patrimônio histórico segue sendo um delito de baixo risco e alto lucro, alimentado pela opacidade do mercado e pela fragmentação das respostas estatais.

O que alguns insistem em tratar como luxo é, na verdade, expressão de identidade coletiva, memória histórica e soberania cultural. A Interpol parte dessa premissa, ao reconhecer a cultura como interesse jurídico protegido, merecedor da mesma atenção dedicada à vida, à segurança e à integridade física.

Nesse contexto, o Banco de Dados de Obras de Arte Roubadas da organização cumpre papel central: dar rastreabilidade a um mercado em que o patrimônio cultural pode, com facilidade, converter-se em saque.

A existência do banco de dados não é apenas simbólica. Ela permite a identificação de peças subtraídas, inibe a circulação ilícita e oferece suporte técnico às investigações nacionais.

Ainda assim, a eficácia do sistema depende de algo que nem sempre acompanha a velocidade do crime: cooperação internacional efetiva e compartilhamento ágil de informações entre agências de aplicação da lei.

Há espaço evidente para aprimoramentos. A ampliação do banco de dados com atualizações em tempo real, a integração mais ampla de museus, casas de leilão e colecionadores privados, além de protocolos obrigatórios de verificação de procedência, fortaleceriam significativamente o combate ao tráfico ilícito.

Do mesmo modo, penalidades mais rigorosas e treinamento especializado para forças policiais e autoridades alfandegárias são medidas indispensáveis para reduzir a atratividade econômica desse tipo de crime.

O episódio do Louvre serve como alerta. Proteger bens culturais não é capricho elitista nem pauta secundária: é defesa da memória, da identidade e do patrimônio comum da humanidade.

Quando uma obra é roubada, perde-se mais do que um objeto, perde-se um fragmento da história coletiva. A resposta, portanto, precisa ser global, coordenada e à altura desse valor.

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).