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Confira o editorial desta quarta-feira: "Atestado de culpa"

Confira o editorial desta quarta-feira: "Atestado de culpa"

Redação

28/06/2017 - 03h00
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A demora em apresentar resultados ou dar mais clareza às ações corrobora para aumentar as suspeitas de cumplicidade.

No mínimo, seria estranho constatar que o “réu” confessa o crime, mostra as irregularidades que cometeu e, mesmo assim, aqueles que deveriampuni-lo parecem se esforçar para provar sua inocência. Situação que se assemelha à postura do governo de Reinaldo Azambuja em relação aos termos de acordo para concessão de incentivos fiscais, denominados Tare, da JBS.

O procurador da empresa, Valdir Aparecido Boni, confirmou durante delação à Procuradoria-Geral da República que o grupo teria descumprido ao menos dois dos termos firmados. A atitude mais coerente seria suspender e até mesmo pedir o ressarcimento dos impostos correspondentes, que deixaram de ser pagos sem o devido cumprimento dos investimentos prometidos. Obviamente, há necessidade de apuração. Trabalho que, inclusive, já deveria estar sendo feito.

O secretário estadual de Fazenda, Márcio Monteiro, justifica que a empresa entregou documentos comprovando as obrigações. Portanto, ele aponta duas hipóteses: desconhecimento de quem falou ou fraude da empresa nos relatórios apresentados. Essa incerteza confirma a fragilidade da fiscalização, a qual, em tese, deveria ser feita constantemente pela gestão estadual. Infere-se que havia quase confiança irrestrita nos dados apresentados pela empresa beneficiada, deficiência que pode se repetir em relação ao monitoramento dos acordos firmados com outras empresas.

Há muito tempo, o Correio do Estado fala desse desleixo, comodismo ou até mesmo cumplicidade nos casos que envolvem benesses significativas sob a justificativa de atrair empresas ou garantir vagas de trabalho. Há, sim, necessidade de o poder público contar com políticas tributárias que garantam mais competitividade ao Estado. Porém, estabelecendo limites para que a renúncia fiscal exagerada não comprometa as finanças públicas, não crie disparidades que provoquem concorrência desleal e não sirva de estímulos ao surgimento de monopólios, a exemplo do que ocorreu com a JBS em Mato Grosso do Sul. 

O secretário afirma que o trabalho é complexo, mas não detalha se havia monitoramento para verificar se a ampliação e a modernização de oito unidades frigoríficas estavam sendo executadas. Não explica quantas vagas prometidas foram, de fato, geradas. Segue a mesma linha das declarações de Azambuja, que justifica cautela das investigações e alega não poder acreditar em fala da imprensa (?), a qual se baseia na delação documentada e nos áudios liberados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Fala em ressarcimento, mas sem cogitar prazos. Esse termo, que prevê renúncia fiscal de R$ 1 bilhão em 12 anos, foi formalizado na gestão de Azambuja. Sabe-se que hoje a realidade da empresa está complicada, com fechamento da unidade de Coxim, férias coletivas em Ponta Porã e redução considerável no número de abates. Não há como alegar desconhecimento. Surpreende, porém, que o outro termo parcialmente descumprido havia sido formalizado ainda em 2013, na gestão de André Puccinelli, e hoje se mostra necessária a complexa análise para saber se os investimentos foram cumpridos.

A demora em apresentar resultados ou dar mais clareza às ações corrobora para aumentar as suspeitas de cumplicidade. Afinal, a eventual suspensão tardia e pedido de ressarcimento também servirão como demonstração de “falhas” na fiscalização. Algo comprometedor para Azambuja, citado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, que envolveram seu nome e o dos ex-governadores André Puccinelli e Zeca do PT em esquema de propina em troca de incentivos fiscais.
 

ARTIGO

Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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ARTIGO

Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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