Nenhum cidadão pode estar acima das leis ou considerar-se imune às punições, seja a “autoridade” que for.
O denuncismo exagerado, atropelando o princípio constitucional da presunção de inocência, já resultou em prejuízos imensuráveis. Por diversas vezes, acompanhamos a instauração de inquéritos pelo Ministério Público, em que, posteriormente, as investigações são arquivadas por falta de provas ou, até mesmo, porque as irregularidades apontadas jamais existiram. Para os “alvos”, o desgaste à imagem faz com que esta dificilmente seja recuperada. Ainda, acompanhamos um incompreensível “prende-solta” dos acusados, com decisões baseadas nas diferentes interpretações legais feitas por magistrados que analisam os mesmos processos, tendo como base os mesmos elementos apresentados.
No âmbito jurídico, é ampla a discussão acerca do espírito da lei e os vários instrumentos de interpretações para concepções das normas. Por isso, a polêmica sobre o projeto que modifica a lei do abuso de autoridade – aprovado nesta semana pelo Senado – centrou-se principalmente ao chamado crime de hermenêutica. Temia-se que as divergências pudessem configurar abuso. Com as alterações, ficou definido que “a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura, por si só, abuso de autoridade”. É imprescindível, porém, que os casos em que forem constatados graves equívocos, favorecimentos ou privilégios precisam ser combatidos, até como forma de garantir a credibilidade do Judiciário e do Ministério Público.
O projeto – que ainda precisa ter aval da Câmara dos Deputados (mas retorna ao Senado caso seja alterado) – prevê punições a todos os agentes públicos, o que inclui desde servidores de prefeituras, concursados ou terceirizados a integrantes do Ministério Público, juízes, deputados e senadores. Nenhum cidadão pode estar acima das leis ou considerar-se imune às punições, seja a “autoridade” que for. Inclusive, juízes, procuradores e promotores deveriam ser os primeiros a exigir o cumprimento da legislação, eliminando a condescendência com seus pares, algo que desgasta a imagem de toda a instituição.
O que dizer, por exemplo, dos altos salários, extrapolando de forma descontrolada o teto constitucional? Agora, inclusive, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou os pagamentos extras para quem acumula cargos. Resumindo, acabou validando prática comum, que contrariava as imposições legais. Há, ainda, outras situações que indignam. Em Mato Grosso do Sul, rememora-se caso envolvendo o procurador aposentado Carlos Alberto Zeola, que matou o sobrinho com tiro na nuca em 2009 e continua recebendo salário altíssimo. Em liberdade, voltou a ser investigado, desta vez por exploração sexual de adolescentes. Discrepâncias afetam a credibilidade e criam a sensação de desigualdade.
Houve tentativa insistente de vincular o projeto que pune abuso de autoridade como represália à Lava Jato. O momento, com operações de amplo combate à corrupção, pode levar a essa interpretação. Mas está evidente a necessidade de controle. Ações midiáticas não podem se sobrepor a direitos dos investigados. Tampouco, autoridades podem continuar agindo como se fossem seres intangíveis, acima da lei que tanto defendem.