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Carla Manchini e Cláudio Ribeiro Lopes: O "preço" do Direito

Carla Manchini é Acadêmica do curso de Direito da UFMS, campus de Três Lagoas e Cláudio Ribeiro Lopes é Professor do curso de Direito da UFMS, campus de Três Lagoas

Redação

29/06/2015 - 00h00
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O Direito é expressão de seu tempo e da sociedade em que se insere. Marx, cujas pretensões para sua teoria podem e devem ser muito criticadas, interpretou como ninguém as origens do capitalismo primitivo (ou da acumulação primitiva do capital) e suas relações com o Direito. Nessa perspectiva, pode-se afirmar que, desde os tempos remotos, nos mais diferentes tipos de organizações, é possível notar uma ligação lógica entre os direitos de um povo e a quantidade de recursos disponíveis para este.

Em uma sociedade primitiva, por exemplo, quando era maior a quantidade de carne obtida pelo grupo por meio da caça, as pessoas tinham o direito de comer mais carne do que o usual. No sistema feudal, por sua vez, quando um rei doava terras para um nobre, que se tornava um senhor feudal, surgia, consequentemente, a relação de suserania e vassalagem; contudo, além dessa relação, o suserano geralmente cobrava impostos pela terra doada e, com a escassez de recursos monetários, os servos do vassalo tinham seus impostos aumentados também.

Em regimes escravocratas, a relação entre os direitos e a economia também era notada. Quando o senhor de engenho entrava em crise financeira, ele não tinha dinheiro suficiente para comprar e manter uma grande quantidade de escravos; assim, os escravos dos quais ele já era dono tinham que trabalhar dobrado enquanto ele vendia alguns escravos para tentar se restabelecer financeiramente.

Na atualidade, não é diferente: quanto melhor a economia de um país se encontra, mais garantias o governo pode oferecer à população, o que chamaríamos de “Estado social”.

Por outro lado, dentro de uma lógica econômica burguesa garantias e direitos constitucionais tendem, consequentemente, a ser extremamente relativizados quando se nota o início de uma crise econômica. Isso até justifica a adoção de cláusulas pétreas pelo constituinte originário.

Subitamente, aquilo que antes era resguardado e priorizado passa a ser alvo de negligências absurdas sob a fixa argumentação da escassez de recursos.

Essa limitação ou relativização de direitos fundamentais contidos nas constituições deve ser, todavia, observada com cautela. Sarlet defende o princípio do não retrocesso, que se pauta no fato de que os direitos fundamentais, sendo conquistas históricas, não podem sofrer um retrocesso. Isso significa que os direitos fundamentais têm um mínimo de eficácia estabelecido, um núcleo duro que não pode ser relativizado, garantindo ao ser humano que não ocorra a supressão completa do seu direito fundamental conquistado. Na Alemanha, tal teoria é conhecida como “limite dos limites”, uma vez que a teoria restringe a limitação ou relativização dos direitos fundamentais; lá se discute sobre o “núcleo essencial”, tratado aqui anteriormente como núcleo duro.

Desse modo, ainda que a situação econômica do país esteja instável, o Estado deverá sustentar e, acima de tudo, priorizar as garantias fundamentais previstas na Constituição Federal, oferecendo a disposição de verbas para a saúde, a educação, a segurança e o lazer. Assim também com os municípios e cidades. São, porém, notórias as notícias que mostram uma preocupante inversão de prioridades de governos perante a limitação do direito à educação, por exemplo. Propostas de Emendas à Constituição - PECs e leis são aprovadas conferindo direitos a benefícios extras para um seleto grupo de pessoas, enquanto o direito fundamental à educação é tido como algo menos relevante, revelando um problema grave de gestão de recursos, uma vez que algo “fundamental” deve ser considerado de maior importância que qualquer outro direito ou garantia.

Veja-se a lógica de governos de outorgar inúmeros benefícios à classe dos magistrados (auxílios moradia, educação, transporte etc.) e, ao mesmo tempo, excluir, limitar, extorquir direitos já assegurados de outras categorias (os professores, por exemplo). Assim, surge uma simbiose incômoda, antiética e pouco ou nada moral, apesar de “legal” entre os interesses governamentais e a capacidade do Judiciário, na condição de instância de decisão sobre esses mesmos direitos. Nesse sentido, evidencia-se certa cooptação do Judiciário por parte do Executivo, fundamentalmente. Uma política que Marcel Mauss bem consegue esclarecer ao tratar da relação de dádiva entre seres humanos e organizações da sociedade. Quem dá tem a obrigação moral de dar; quem recebe também anui a uma obrigação de receber e, óbvio, daí surge a obrigação de retribuir, criando um círculo vicioso e perverso, cujo “fim” é a legitimação do desrespeito aos direitos e garantias assegurados sob a ótica do mercado.

A grande pergunta é: a quem interessa isso?!

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Tarifa social é tendência global

10/04/2024 07h30

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À medida que avançamos em 2024, é notável o aumento no número de cidades brasileiras adotando políticas de tarifa social no transporte público. Este movimento marca um avanço significativo na busca por uma mobilidade urbana mais inclusiva.

Um levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que o país tem 103 municípios, distribuídos por 14 estados e o Distrito Federal, que aderiram à prática, seja de forma universal (sete dias por semana), em dias específicos (aos domingos, por exemplo) ou para grupos em particular (como idosos, pessoas com deficiência e estudantes). São Paulo e Minas Gerais lideram a lista, com 29 e 26 municípios, respectivamente.

Vem crescendo o debate e as iniciativas que visam democratizar a mobilidade para o exercício da cidadania e a participação da vida política e cultural da cidade. No Enem 2023, 15 capitais do país ofereceram transporte público gratuito para garantir o acesso de todos os candidatos à prova. No segundo turno das Eleições 2022, 13 estados e o Distrito Federal também deram passe livre para os eleitores. No ano passado, Campinas (SP) deu exemplo no “Dia D” de vacinação de crianças e adolescentes, facilitando o acesso à saúde por meio da tarifa social.

Essas tendências respondem a um desafio crítico de mobilidade urbana, exacerbado pelo crescimento no uso do automóvel privado e pelo subfinanciamento do transporte público, levando a um aumento dos congestionamentos, da poluição e da desigualdade social, como aponta o pesquisador e jornalista pós-graduado pela PUC/SP, Daniel Santini, no livro “Passe Livre: as Possibilidades da Tarifa Zero contra a Distopia da Uberização”.

Só na cidade de São Paulo, o trânsito perdeu 1 bilhão de passageiros nos ônibus entre 2013 e 2022. Buscando atrair a população de volta ao transporte coletivo, a prefeitura criou a iniciativa “Domingão Tarifa Zero”, que dá gratuidade às viagens de ônibus aos domingos, no Natal, em 1º de janeiro e no aniversário da cidade (25 de janeiro). Com o slogan “Explore, descubra, viva São Paulo”, o governo espera ampliar o acesso ao lazer e contribuir para a economia do município. No primeiro domingo com isenção de tarifa, o número de passageiros em São Paulo aumentou 35%, de acordo com dados da prefeitura.

Tallinn, capital da Estônia, é um ótimo exemplo de implantação de tarifa social, que varia de preço conforme o tempo que o passageiro pretende usar o transporte e também das atividades que pretende realizar. Com € 2 é possível utilizar o transporte público por uma hora. Pagando € 5,50, esse período aumenta para 24 horas, e por € 30, garante-se 30 dias de transporte. A tarifa mais cara (Tallinn Card, por € 78) inclui 72 horas de transporte e entrada gratuita em todos os museus e pontos turísticos da cidade.

Estudos econômicos sugerem que a tarifa social, quando bem implementada, pode ajudar a equilibrar o sistema de transporte público, ao moderar a demanda e incentivar um uso mais racional do sistema. Além disso, análises de sistemas de transporte em cidades europeias, como Tallinn, revelam que a tarifa social, não apenas aumenta o acesso ao transporte, mas também contribui para uma melhoria geral na qualidade do serviço. Além disso, essa associação benéfica a outros setores da cidade, como as atividades culturais, gera a inclusão tanto de moradores da cidade em ações que talvez não pudessem estar inclusos, como beneficia o turismo local, podendo gerar mais renda para a cidade como um todo — em especial as mais turísticas.

 Lá fora há outras cidades atentas. Chama a atenção o caso dos EUA, que tem uma forte cultura automobilística e onde a posse de um carro está mentalmente associada a progresso, independência e ao “sonho americano”. No país onde o carro próprio é o desejo de todo jovem-adulto, Kansas City (Missouri) é conhecida por ser a primeira cidade a implementar a tarifa zero no transporte público, em 2017. Mostrando que esse é um sistema benéfico para a população, ao longo dos anos, vimos algumas cidades aderirem à ideia, como São Francisco, na Califórnia. Já em 2023, houve um salto: 25 cidades de estados como Washington, Colorado, Ohio, Virgínia, Nova Jersey, Oregon e Carolina do Norte começaram a fazer testes de tarifa zero, incluindo Boston (Massachusetts) e Nova Iorque.

Na China temos a maior experiência de incentivo social já realizada em todo o mundo, em Chengdu, a cidade dos pandas-gigantes, uma metrópole com mais de 20 milhões de habitantes. Em 2012, Chengdu liberou os passageiros do pagamento das viagens de ônibus até as 7 horas da manhã, com o objetivo de diminuir o congestionamento. Hoje, mais de dez anos depois, 116 linhas são gratuitas durante todo o dia e as restantes saem parcialmente gratuitas por meio do bilhete eletrônico.

O Brasil já possui as tecnologias necessárias para uma ampla e bem-sucedida adesão à tarifa social, garantindo transparência e confiabilidade nas operações. A bilhetagem eletrônica oferece um controle preciso sobre o fluxo de passageiros. Aliada a avanços como validadores com biometria facial e telemetria, a bilhetagem eletrônica poderia garantir uma transição suave rumo à maior adoção da tarifa social, com autenticação segura e geração de informações detalhadas para relatórios, evitando erros e fraudes no sistema. Em Florianópolis, por exemplo, a tecnologia por trás do transporte público foi fundamental para a isenção correta da tarifa nos dias determinados pela prefeitura.

Para que o país abrace definitivamente essas ideias, precisamos de um programa nacional de apoio às novas tarifas para garantir a sustentabilidade financeira do sistema. O envolvimento dos governos estaduais e federal é imperativo para fornecer subsídios, evitando prejuízos tanto para os municípios quanto para as empresas e operadoras do setor de transporte público, além de proporcionar mais qualidade de vida para a população.


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Crise na Bolsa de Valores? Um alerta para a economia

10/04/2024 07h30

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À medida em que a economia brasileira enfrenta um período turbulento e os sinais de alerta começam a piscar, a Bolsa de Valores assume um papel crucial na identificação desses sinais.

Recentemente, a fuga de investidores estrangeiros da B3 atingiu seu pior nível desde o início da pandemia, somando-se aos desafios econômicos que o Brasil enfrenta. Esse fenômeno não deve ser encarado como uma mera flutuação do mercado, mas como um indicador sério da necessidade de revisão das políticas econômicas do governo.

No último dia de março, os investidores estrangeiros retiraram um total de R$ 5,547 bilhões da B3, acumulando um resultado negativo de R$ 22,897 bilhões no ano. Essa tendência descendente é um sinal alarmante, refletindo a perda de confiança dos investidores estrangeiros na economia brasileira. Para um país que busca atrair investimentos e impulsionar o crescimento econômico, essa fuga de capital é profundamente preocupante.

Os investidores institucionais e individuais também demonstraram certa cautela em relação ao mercado de ações brasileiro (retirada de R$ 300 milhões). As instituições financeiras também não escaparam desse movimento, retirando R$ 13 milhões da Bolsa de Valores no mesmo período.

Um dos principais fatores que contribuíram para essa crise na bolsa é a interferência do governo Lula em empresas estatais e privadas. A instabilidade gerada por essas intervenções afeta negativamente a confiança dos investidores, prejudicando o desempenho do mercado de ações. A Petrobras e a Vale são exemplos claros dessa conduta, com o governo exercendo pressão em suas operações e decisões estratégicas.

Além disso, a Eletrobras encontra-se atualmente no centro das atenções, já que o governo expressa sua intenção de reverter a privatização estabelecida pelo governo anterior. Essa incerteza em relação às políticas governamentais cria um ambiente instável para os negócios, desencorajando potenciais investidores e contribuindo para a saída de capital da Bolsa de Valores.

 É crucial que o governo reavalie sua abordagem em relação às estatais e privadas, adotando uma postura mais transparente e pró-mercado. A estabilidade e a previsibilidade são fundamentais para atrair investimentos e promover o crescimento econômico sustentável. Caso contrário, corremos o risco de ver mais investidores estrangeiros se afastando do mercado brasileiro, agravando ainda mais nossa situação econômica.

 Em tempos de incerteza, é essencial que o governo adote medidas proativas para restaurar a confiança dos investidores e promover um ambiente de negócios favorável ao crescimento econômico. Caso contrário, o Brasil corre o risco de perder oportunidades de investimento e enfrentar consequências econômicas ainda mais severas no futuro.

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