Ao longo de 300 anos de ocupação, o Pantanal registrou na sua história capítulos de muita emoção, coragem, violência e solidão. Agora, surge a esperança.
Nações indígenas como os Payaguá, Xarayes, Guanas, Guatós conviveram anos com a natureza contemplando e usufruindo das suas riquezas com sabedoria e respeito.
A chegada dos espanhóis, início de um período crucial na história do Pantanal, foi marcada pela ambição e violência, dizimando todas as nações indígenas e rompendo barreiras a qualquer custo para chegar ao ouro no norte.
São eloquentes as palavras de Cabeça de Vaca, quando viajou na região entre 1541 e 1544, quanto à exaltação da natureza.
Mais tarde, no início do século XVII, a região se transforma em uma “laguna” (lagoa) na definição de Antônio de Herrera.
Somente um século mais tarde, com a ocupação portuguesa, a região passa a ser conhecida como Pantanal.
As incursões dos bandeirantes, com Raposo Tavares à frente, iniciam o processo de apropriação do território do Pantanal e de exploração de seus recursos.
Já no século XVIII, com a revisão do Tratado de Tordesilhas e assinatura de outros diversos, a exemplo do Tratado de Santo Ildefonso, em 1777, o dilema entre espanhóis e portugueses termina e a região do pantanal é reconhecida como território colonial.
O século XIX é marcado pela violência da Guerra do Paraguai que, apesar de ter passado mais de 134 anos desde sua finalização continua muito vívido na memória dos moradores pantaneiros. Com o fim da Guerra o início do século XX, é marcado pelo aparecimento dos latifúndios e as cidades.
O homem do pantanal chega silenciosamente com seu gado vindo do norte e do oeste. Sofre uma metamorfose única na história da evolução humana e se transforma em meio homem, meio natureza.
Surge aqui o que poderíamos denominar de ethos pantaneiro personificado na figura do “homem pantaneiro”.
Entre 1850 e 1950, 100 anos, o pantanal passa a fornecer peles e penas de animais silvestres como ariranha, cervo, onças e penas de garças, tuiuiús para Europa para atender o mercado da moda. Com a proibição da caça e comercialização de peles e carne na década de 60, a carne e couro de gado ganham valor. Em 1977, um ato institucional divide o Pantanal ao meio, fragilizando sua sobrevivência e a proteção. Na década de 80, invasão dos coureiros oriundos do Paraguai, Bolívia e pilotos de avião brasileiros, caçadores de jacaré e traficantes de aves, especialmente de araras-azuis e papagaios, transformam a região num palco de guerrilha, quebrando a paz do Pantanal.
A forte ação da Polícia Militar, por 10 anos contínuos, foi determinante para uma batalha vitoriosa. Silenciosamente, outra ameaça vinda do Planalto, oriundo da agricultura que suprimiu 60% da cobertura vegetal, fomentada pelo slogan “Plante que o João Garante”, provoca o maior desastre socio-econômico ambiental do Pantanal. O Rio Taquari é soterrado, provocando arrombados que invadiram mais de um milhão de hectares, expulsando gente, gado e biodiversidade.
A falta de uma política integrada entre estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul e a total ausência do governo federal, que tinha olhares exclusivos para o bioma Amazônico, levaram a inúmeros pantaneiros à falência. Os rios perderam 30% da sua profundidade. Nossas cabeceiras estão com alto grau de comprometimento pelo desmatamento e a agricultura começa invadir a planície. O Rio Paraguai com 100 pontos de obstrução e a redução dos estoques pesqueiros é um fato.
O compromisso de unir o bioma por uma lei única é um gesto histórico de vontade política para salvar o bioma pantanal.
Estamos resgatando uma dívida pela nossa omissão. Que seja esta nossa homenagem ao Homem Pantaneiro, hoje ameaçado de extinção, afinal “somos todos devedores dessas águas”(Manoel de Barros).