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Altemir Dalpiaz: "Os outros estão distantes"

Professor

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Em tempos de globalização, de uma sociedade líquida e de grandes acontecimentos “passageiros”, vivemos uma situação ambivalente. Quanto mais recebemos informações, menos sabemos “das coisas”. Isso ocorre em parte, porque não conseguimos fazer reflexões sobre as notícias que nos chegam em um contexto mais amplo, pois, logo em seguida, outra grande notícia está a nos convidar para expressarmos a nossa indignação, ou então, soltar nossos fantasmas que mostram como pensamos e o que somos. 

Todos os dias recebemos notícias, escritas ou através de imagens (fotos e vídeos), que são apenas recortes que constituem algo maior e que estão mudando o mundo. Ao polemizar fatos isolados em sequência, não conseguimos ter um entendimento macro. Vou tentar me fazer entender, citando exemplos para isso.

Uma das manifestações que chama a atenção é o uso de imagens de crianças em situações de sofrimentos extremos, fazendo aflorar os mais íntimos e sinceros sentimentos nas pessoas. Há poucos dias, rodou o mundo o vídeo de uma criança ferida sendo salva de um soterramento na Síria. Em setembro de 2015, fomos impactados pela foto de uma criança refugiada que apareceu morta (por afogamento) em uma praia turca. Em 1993, a foto da criança rastejando em uma aldeia no Sudão e sendo vigiada por um abutre, causou comoção mundial e foi responsável pelo suicídio do autor da foto, o sul-africano Kevin Carter.

Anos antes, em 1973 no Vietnã, a menina de nove anos Kim Phúc, foi captada em uma fotografia, quando sua imagem ficou congelada, mostrando seu rosto em extremo desespero provocado pela dor das queimaduras causadas pelo napalm, despejado por aviões dos Estados Unidos. 

Enquanto nos indignamos com as imagens sobre o sofrimento infantil, não “temos tempo” para fazer conexões com o que realmente está por trás desse sofrimento. A criança soterrada na Síria, ou os refugiados, são vítimas de conflitos religiosos, políticos e étnicos e não são vistos como a parte mais fraca de brigas pelo poder, mas sim, como problemas que devemos evitar e por isso, viramos as costas. Tornamo-nos indiferentes. Essa mesma indiferença nos distancia da fome que mata na África e nos faz admirarmos quem despeja um produto químico que queima a pele das pessoas.

Outro exemplo é o uso do esporte para provar a capacidade econômica e militar sobre os outros países. Estados Unidos, Reino Unido, China e Rússia estiveram entre os quatro primeiros colocados nas últimas Olimpíadas, situação que está a se repetir nesses jogos no Rio. Entre os medalhistas brasileiros, nessa Olimpíada, até agora a maioria é de militares. São atletas que fazem parte do Programa Atletas de Alto Rendimento, iniciado em 2008 pelo governo federal. São atletas que atraídos pelo programa, passam a ser militares, recebendo para isso um salário, mais assistência médica, e em troca, participam também das competições exclusivas das Forças Armadas.

Outra medida e que prolifera principalmente entre escritores de autoajuda e palestrantes motivacionais, é fazer você se sentir culpado por seus fracassos e o que é pior, determinam quais são seus fracassos.

 Estudar para ter um trabalho digno. Trabalhar bastante para ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro para consumir. Consumir para ser feliz.  Não ser gordo. Dormir cedo. Ter ídolos do esporte como guias para serem seguidos, como exemplos de dedicação e disciplina. 

Confesso que cada vez que assisto a uma palestra, e o palestrante usa o exemplo do Ayrton Senna para motivar as pessoas, não deixo de lembrar de uma entrevista em que o piloto Nelson Piquet, ao ser perguntado, quem tinha sido melhor piloto de Fórmula 1, se fora ele ou o Ayrton, Nelson respondeu: “eu estou vivo”.

O problema são os oportunistas que tentam fazer de pessoas que não desejaram ser o que delas fazem após suas mortes. Ayrton Senna queria ser o melhor piloto. Queria vencer as corridas. Ele fazia aquilo por ele.

Nada de mal nisso. Nós fazemos as coisas para nós (para nos sentirmos bem... úteis...), mesmo quando ajudamos os outros. Erros se tornam graves quando construímos em outros que já morreram modelos de vida para serem seguidos pelos vivos. Você é você, eu sou eu, ele é ele. Quem precisa de exemplos de campeões é o esporte, sua indústria, a imprensa esportiva e governos para se mostrarem fortes. Nós só precisamos ser respeitados em nossas especificidades. Somos únicos que vivemos em sociedade.

E continuamos todos nós acompanhando de forma apressada e resumida os acontecimentos que estão colocando o mundo em constante transformação, sem tempo para uma reação frente aos desafios que só precisam de um pouco de humanismo. Nosso distanciamento em relação aos problemas dos outros, nos torna uma espécie diferente de todas as outras. E somos nós os evoluídos.

 

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Produtos livres de desmatamento nas estratégias da União Europeia

11/04/2024 07h30

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O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento é um entre vários componentes do Pacto Ambiental Europeu (European Green Deal), que tem como objetivo final atingir neutralidade de emissões de gases de efeito estufa em 2050, com um crescimento econômico livre da exploração excessiva dos recursos naturais e sem deixar ninguém para trás.

Trata-se, portanto, de uma peça dentro de um quebra-cabeça bem mais complexo que visa tornar a Europa um continente sustentável e carbono neutro.

Desde 2019, o Pacto Ambiental Europeu apresenta diretrizes que vão sendo gradativamente regulamentadas, cobrindo de energia renovável a produção de alimentos, passando por transporte e construção civil.

Trata-se de um marco legal abrangente que aborda diversas questões ambientais, incluindo o desmatamento, como parte dos esforços da União Europeia (UE) para um novo modelo de economia verde. 

O regulamento para produtos livres de desmatamento, aprovado em 2023, disciplina as atividades dos importadores europeus que passam a ser responsáveis por garantir que os produtos adquiridos não venham de áreas desmatadas depois de 31 de dezembro de 2020.

As restrições entram em vigor no final de 2024. Os importadores são os responsáveis pela implementação das verificações nos países exportadores, as chamadas “due dilligences”. 

As implicações para o Brasil são significativas, pois a UE é o segundo maior comprador dos nossos produtos agropecuários. Enfrentamos sérios problemas de desmatamento ilegal na floresta amazônica, além de questões fundiários e sociais.

Outro ponto importante é que a legislação europeia não faz distinção do que é considerado desmatamento legal ou ilegal. A normativa claramente se refere a desmatamento em geral. 

Esse ponto vem sendo questionado pelo governo brasileiro, alegando que está acima das exigências legais do ordenamento jurídico do país. Argumenta-se que essa normativa representaria uma forma de barreira não tarifária aos produtos do Brasil.

Entretanto, o argumento contrário é de que a UE tem a prerrogativa de estabelecer os critérios para os produtos que farão parte das suas cadeias de suprimento. E, como o objetivo maior é a redução dos impactos ambientais do consumo dos próprios europeus, nada mais lógico do que exigir que seus fornecedores sigam padrões compatíveis com essa ambição.

Importante notar que há fortes reações ao Pacto Ambiental dentro da própria UE, como vimos recentemente nos diversos protestos de produtores rurais no território europeu.

Embora estejam sensibilizando parte da sociedade e postergando algumas limitações, dificilmente a insatisfação dos produtores europeus ou dos governos fornecedores de produtos agrícolas para a Europa terão força para uma guinada nos objetivos de longo prazo da UE.

Parece haver um sério proposito do continente em mudar completamente suas bases de desenvolvimento, mirando a transição para uma economia mais resiliente e de baixas emissões de gases de efeito estufa.

Ao Brasil cabe o desafio de entender essas normativas e entrar em um processo de negociação sério e embasado na ciência. Ainda há grandes lacunas sobre como serão feitas as verificações do desmatamento e, sobretudo, como serão mapeadas as origens de cada lote de exportação.

Precisaremos acelerar nossos investimentos em rastreabilidade e transparência nos processos produtivos, assim como no aprimoramento de plataformas de monitoramento territorial. Tudo isso em consonância e em estreita colaboração com os importadores e agentes da União Europeia.

Ainda estamos em um momento de discussão e entendimento junto aos agentes europeus de como o novo regulamento será implementado no Brasil. Entende-se que será um processo com aprendizado mútuo e um período de adaptação.

Os entes governamentais têm o papel de catalisar essa discussão entre produtores, processadores e exportadores brasileiros para que estejamos prontos para manter a liderança como fornecedores de produtos agrícolas para a União Europeia. 

 

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Era uma vez em uma escola na Suécia

11/04/2024 07h30

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Depois de anos educando as crianças quase que exclusivamente com recursos digitais, o Ministério da Educação da Suécia começou a perceber alguns sintomas perturbadores nas suas crianças: deficiência na leitura e na compreensão de textos apropriados para a idade, muita dificuldade de escrever e, quando solicitadas, escritas realizadas apenas em caixa alta.

Mas o que mais chamou a atenção foi a percepção de que as crianças também começaram a apresentar dificuldades para expressar o que sentiam, pois lhes faltava vocabulário até mesmo para descrever cenas breves ou relatos de emoções simples.

Muitas dessas manifestações, resultantes da falta de exercício cognitivo e motor, assemelhavam-se a alguns transtornos psicológicos, e não é de se espantar que muitos pais possam ter procurado psicólogos, feito exames ou mesmo ministrado medicamentos, preocupados com a lentidão, o mutismo ou ainda com dificuldade de compreensão de seus jovens filhos.

O governo sueco, diante dessa constatação, resolveu dar uma guinada nas suas orientações escolares e agora estimula fortemente o uso de livros em vez de laptops, como também incentiva a leitura em voz alta, as rodas de conversa e a prática da escrita - inclusive ditados - com o objetivo de reverter o cenário que se desenhava catastrófico para o futuro.

Crianças que não são estimuladas desde cedo em atividades motoras e intelectuais podem ter dificuldades de desenvolvimento profissional na vida adulta, particularmente em um mundo onde a criatividade e a inovação são realidade em todo lugar. 

No último Pisa, divulgado em 2023, o resultado geral dos jovens estudantes suecos foi de 487, ante 499 registrado na edição anterior, de 2018. Em Matemática, a queda foi de 15 pontos e em Leitura, de 10 pontos.

Suficiente para que fizesse um país sério, como a Suécia, acender as luzes amarelas e buscar compreender as razões dessa perda de energia no aprendizado de seus jovens cidadãos, (para além dos efeitos da covid, que afetou de maneira praticamente igual os países participantes).

Uma das medidas que o governo buscou implementar em todas as escolas - embora na Suécia o programa e as orientações pedagógicas não sejam unificadas como no Brasil - foi: menos celular, menos laptop e mais livro, leitura, escrita e conversa. O básico que, desde mais ou menos cinco séculos atrás, tem orientado a ideia do que é ensinar e aprender.

 Lógico que esta constatação não implica em demonizar o uso de tecnologia em sala de aula, mas de usá-la com sabedoria, de forma que ela ofereça o que, de fato, não é possível conseguir por outros meios.

Mal comparando, é como o hábito de muita gente usar palavras em inglês para se referir a coisas ou situações nas quais já existe uma palavra em português perfeitamente cabível. Esse é o mau uso da língua estrangeira. O que não significa que não se deva aprendê-la e usá-la, muito pelo contrário.

A tecnologia compreende um conjunto de ferramentas e habilidades que deve servir para ampliar nossa capacidade de ler, raciocinar, produzir e nos comunicar. Mas, para isso, precisamos antes saber ler, raciocinar, produzir e nos comunicar.

O perigo do uso de celulares e laptops no ensino fundamental é o de diminuir ou mesmo obstaculizar  o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças, além de dificultar a expressão de ideias, emoções e socialização, por falta de vocabulário capaz de se fazer entender quando relatar uma experiência.

O fenômeno hikikomori, que se refere aos jovens que abandonam qualquer contato social real e mantêm-se isolados em seus quartos, comunicando-se apenas pelas redes sociais, vem se alastrando por todo mundo, assim como a descrição de novos transtornos psicológicos associados à dificuldade de comunicação e socialização. A saída, porém, pode estar um pouco antes do consultório médico ou do psicólogo. Na boa e velha sala de aula.

 

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