Se o Brasil aplicasse a famosa regra do “olho por olho, dente por dente”, um dos “argumentos” principais daqueles que defendem a pena de morte, seria mais ou menos assim: do aluno que viesse a colar em uma prova, furaríamos os dois olhos (usados para observar a resposta do outro ou para consultar materiais ilicitamente) e a mão com a qual ele copiou a resposta seria cortada. Pronto. Ele jamais iria colar na vida.
Do brasileiro que jogasse lixo no chão das ruas ou atirasse coisas das janelas dos ônibus e dos carros, prejudicando o meio ambiente (direito de todos, por isso um dano gravíssimo), deceparíamos a mão utilizada para poluição. Cortaríamos as pernas dos que furaram fila ao encontrar aquele velho amigo no banco, burlando o direito das pessoas que ali estavam honestamente aguardando. Cortaríamos a língua dos racistas, dos caluniadores, dos difamadores. Com um machado, jogaríamos ao vento os dedos de quem (naquele artigo final para a disciplina ou naquele trabalhinho escolar que o professor pediu) apertou “ctrl+c; ctrl+v” e plagiou a ideia ou a fala de alguém. Crime, punição. Ao plagiador, o machado.
Cuidado se você já comprou CD’s e DVD’s piratas (ou se já baixou aquele CD que você adora, mas não quis pagar por ele, inteirinho na internet). No Brasil, é probido. Se aplicarmos a Lei de Talião, imaginem! Primeiro começaríamos amputando as pernas que você usou para andar até aquela lojinha que vende os tais CD’s e DVD’s (para que você nunca mais venha a repetir o trajeto e cometer o mesmo crime). Depois, as mãos que você usou para pegar o produto seriam cortadas com uma machadada só. Em seguida, porque você certamente assistiu ao filme pirateado que comprou, seus olhos seriam furados com duas agulhas bem grossas e, porque você ouviu o CD copiado ilegalmente, explodiríamos seus tímpanos, para você nunca mais cometer o delito de ouvir um CD pirata.
Aos que praticam maus tratos aos animais, participando de “rinhas de galo” ou engaiolando e vendendo pássaros ilegalmente: olho por olho, dente por dente, gaiola por gaiola, espora por espora, biqueira por biqueira.
Talvez, Gandhi seja mesmo sempre necessário ao dizer que “Olho por olho e o mundo acabará cego” (se é que já não sofremos de uma cegueira generalizada quanto à história desse país). Talvez, o brasileiro precise ver além dos estereótipos de “crime” e “marginal” que os historicamente mais fortes criaram e inculcaram na sociedade, para compreender que na Lei de Talião, não há mediações ou ponderações (sequer racionalidade) e que todos nós somos delinquentes em variados níveis.
É lamentável ter que, a esta altura da humanidade, escrever sobre isso. Mas as lamentações, certas vezes, são necessárias – feliz ou infelizmente.