Ele se sentou à frente do computador para escrever uma crônica, mas nem mesmo tinha uma ideia na cabeça. Ultimamente vinha sofrendo uma insistente falta de inspiração para escrever, o que o deixava nervoso e irritado.
Foi digitando frases sem nexo, que iam brotando na tela iluminada de seu monitor. Por diversas vezes, insatisfeito, apagou tudo e recomeçou, mas não encontrava uma linha que desse sentido ao que vertia para a máquina, que, dócil, tudo registrava ao leve toque de seus dedos no teclado.
Eis que, de repente, um estrondo lá fora desviou sua atenção: volvendo o olhar através da janela ao seu lado, de seu escritório no décimo andar de um prédio próximo do local, percebeu que, na esquina próxima, dois veículos se chocaram no meio do cruzamento. Interrompeu seu trabalho e colocou-se de pé junto à janela, observando a movimentação e a formação do inevitável ajuntamento de pessoas ao lado dos dois carros sinistrados. Deduziu que poderia haver feridos, pois o impacto parecia ter sido muito forte, até mesmo pela intensidade do barulho que o choque provocou. Não demorou e chegaram duas viaturas dos bombeiros, uma delas uma ambulância.
Qual dos condutores teria provocado o acidente? Estava claro que um deles desrespeitara a sinalização, pois o cruzamento é dotado de semáforos. Pensou também quantos seriam os feridos, qual a gravidade dos ferimentos, etc. Súbito, o toque estridente do telefone desviou-lhe a atenção do acidente.
Ao atender, ouviu uma voz feminina amável e até um tanto sensual que, suavemente, perguntou-lhe se poderia “estar despendendo” alguns minutos de sua atenção. Educadamente, concordou. Ela, então, prosseguiu, dizendo que, em nome do banco tal, iria “estar apresentando” uma proposta de adesão ao mais revolucionário plano de investimentos em ações, de empresas altamente lucrativas, tanto do Brasil como de outros países do primeiro mundo.
Depois de discorrer sobre as qualidades do fundo de investimentos para o qual trabalhava, disse que ele poderia “estar iniciando” suas aplicações com uma pequena quantia e, depois, ao perceber o excelente negócio em que havia ingressado, poderia “estar aumentando” gradativamente seus investimentos.
Encantado com o que ouvira, especialmente com a voz da interlocutora, aceitou a oferta e recebeu as instruções sobre como aplicar no tal fundo. A voz indicou-lhe um número de conta corrente no banco mencionado, na qual ele deveria “estar efetuando” o depósito do valor correspondente à sua primeira subscrição.
Como era usuário do “bankline”, imediatamente após desligar o telefone providenciou a transferência do valor para o conta informada.
Feito isso, voltou sua atenção para a cena do acidente, mas os carros dos bombeiros já haviam se retirado e os curiosos estavam se dispersando. Retornou ao computador e buscou o site do fundo onde acabara de aplicar uma certa parcela de suas economias. Percebeu logo o quanto fora ingênuo e descuidado: nem o site nem o fundo de investimentos existiam.
*Advogado e escritor ([email protected])