ARTIGO

Luiz Fernando Mirault Pinto: "Uma mera coincidência"

Físico e administrador

31 OUT 2017 • POR • 02h00

O herói é produto de uma cultura ou uma manifestação criativa do inconsciente que surge em determinado momento em que o indivíduo necessita superar seus medos por meio da personificação do imaginário ou quando a sociedade se vê órfã nos seus anseios apelando a uma figura legendária para suprir uma necessidade psicológica que auxilia na formação do eu. Ele está relacionado à superação do indivíduo em diversos períodos da história, manifestando-se pela tradição oral da literatura, na forma de contos e de ficção. 

Heróis surgem para garantir mesmo no inconsciente a noção dos valores que acreditamos universais, como a justiça e a liberdade, a luta contra o mal e um final feliz, ainda que no campo do imaginário. 

Assim nasceu, nos Estados Unidos, a Liga da Justiça, uma equipe fictícia de super-heróis formada por sete personagens, conhecidos como os Sete Magníficos (DC Comics), cuja escalação do time foi alterada ao longo dos anos, sendo originalmente composta do Super-Homem, Mulher-Maravilha, Homem-Morcego, Aquaman, Lanterna Verde, Flash e outros menos populares, para agirem em Gothan City – uma cidade também fictícia que se assemelha às grandes metrópoles, com altos índices de criminalidade e corrupção –, no combate aos malfeitores.

A seguir foi a vez dos Vingadores,  um grupo fictício de super-heróis das histórias em quadrinhos (Marvel Comics) cuja formação original foi com Thor, Homem de Ferro, Vespa, Homem-Formiga, Huck e Capitão América. Essa equipe foi inspirada na Liga da Justiça e teve sua formação alterada, recebendo posteriormente outras denominações, como Poderosos Vingadores, os Novos Vingadores ou Vingadores Secretos, incluindo os Vingadores Sombrios, liderados pelo Patriota de Ferro, Wolverine, Gavião Arqueiro, Capitão Marvel, entre outros. 

 Nas Terras Tupiniquins, com atraso, essas HQs foram divulgadas modestamente, tomando corpo com os filmes da segunda geração dos heróis, turbinados pelos efeitos especiais substituindo os onomatopeicos dizeres (PLACK, CRASH, POW, BOOM, SPLASH!) e a prisão simples dos malfeitores, pela eliminação de poderosos arqui-inimigos por meio de armas letais e de destruição total.

Dar vida aos desenhos e personagens é normal em criança, auxiliando na personalidade infantil, que consegue conviver com o real, o simbólico e o imaginário. Já o adulto corre o risco de amadurecer despersonalizado, escondendo o seu faz de conta no comportamento coletivo, não aceitando opiniões destoantes das suas, vivendo fantasias, preconceitos, intolerâncias, insatisfações por não ter sido atendido em seus desejos.

O cenário que se impôs à nação, com a imagem de um lugar de corrupção desenfreada onde as falcatruas se entrelaçam e a cada dia sendo desveladas surpresas na medida em que se puxa o fio da meada, fez com que os paladinos e justiceiros criassem vida, sendo transformados em heróis nacionais revisitados e alimentados pela mídia. Uma mera coincidência!

Notícias retratam que a nossa liga, mais importante pela antiguidade, passou a defender a retroatividade da lei, apostou no afastamento monocrático de parlamentar das suas funções representativas e admitiu denúncias de fatos praticados anteriormente aos mandatos políticos. Já os nossos Vingadores acreditam que as confissões substituem as investigações, que o convencimento de culpa é suficiente, que suposições substituem provas e que a dúvida deve beneficiar o Estado.  Alguns afirmam que “flechas de bambu” disparadas a esmo vão produzir os efeitos desejados para dar continuidade ao golpe anterior já praticado contra a soberania popular. Obra dos Vingadores Novos, Obscuros ou quem sabe de Mutantes. 

Num país com inúmeras desigualdades, algumas pessoas (letradas) ainda acreditam e atribuem à imagem de paladino(s) o poder imaginário de alterar uma realidade como a corrupção, reconduzindo ao equilíbrio e reestabelecendo as expectativas de prosperidade, como num messianismo utópico.