Do sonho de ser professora à realidade de dona de uma escola, o Centro Educacional Construindo o Saber, que hoje conta com quase 500 alunos. A transformação de vida aconteceu com a pedagoga Ana Maria Moura Maia Bernardinelli, 49 anos, que envolveu o marido e os três filhos na implantação da escola. Ela sempre quis ser professora e seu desejo ficou mais aflorado no tempo em que esteve num convento, onde cuidava de crianças. Na época, ao desistir da vida religiosa, também perdeu a oportunidade de fazer um curso chamado Normalista, por falta de dinheiro e tempo. Aos 14 anos, começou a trabalhar no comércio.
“A nossa realidade era assim, crescíamos e casávamos. Eu casei bem nova e depois que tive o terceiro filho senti o desejo de voltar a estudar”. Enquanto cursava o então Magistério, Ana recebeu proposta para trabalhar numa creche e aceitou porque poderia levar sua filha. ”Assim eu me encontrei. Levava todas as propostas que eu conhecia para alfabetização e as mães viam o resultado, só que a creche me dispensou porque não tinha mais como me remunerar”, relembrou.
“Um dia eu estava em casa e a mãe de um aluno da creche bateu na minha porta. Ela perguntou por que eu não ensinava as crianças num horário, na minha casa, e se eu cobrasse barato, as mães me pagariam. Eu achei que ficaria com cinco crianças, que foi a proposta feita. Em uma semana , estava com 20 crianças e no ano seguinte, com 50”, explicou.
Ana passou a cuidar de cinco crianças. Sem recursos, usava a mesa dos filhos fazerem tarefa para trabalhar com os pequenos. Diante da demanda, Edson Bernardinelli, marido da pedagoga, fechou a varanda da casa da família com forro de madeira. Na semana seguinte, a diretora de uma escola doou uma série de mesas quebradas, que foram reformadas e envernizadas pelo casal. Foi então que Ana deu início ao processo de alfabetização, já com 25 crianças. “Eu passava todas as atividades, a mão, no caderninho de cada um”, contou.
“Expulsos de casa”
Ana conta que se sentia uma “moleca” com as crianças. A babá interagia com os pequenos e promovia brincadeiras no quintal de casa. “Eu nunca gostei de tumulto, então usava a sala da minha casa. Era interessante porque de dia funcionava a salinha de aula e eu empilhava tudo num canto. À noite, reposicionava o sofá e o espaço voltava a ser a sala da casa porque pobre já não tinha dinheiro para comprar um sofá novo e se a meninada destruísse o pouco que tinha. Era uma loucura, eu limpava tudo depois que as crianças iam embora. À noite eu estudava e voltava no último ônibus”. Ela conta que seu pai era quem ficava com seus filhos Edson Junior, Ricardo e Juliana até que seu marido retornasse do trabalho.
Ana trabalhou como babá em 1996 e, no ano seguinte, a família criou o centro recreativo. Em 1998, ela foi procurada por uma pessoa da Secretaria Municipal de Educação, que a orientou que, para crescer no empreendimento, deveria elaborar um regimento escolar e estabelecer uma proposta pedagógica. A família então investiu na proposta.
“Nós saímos de casa quando percebemos que culminou aquilo que eu sempre gostei com aquilo que deu certo para a nossa vida financeira. Então, transformamos a nossa casa num ambiente adequado para as crianças”.
Ana Maria Moura Maia Bernardinelli realizou o sonho de trabalhar com educação
Maratona
No começo, Ana desempenhava várias atividades na escola, dentre elas a de faxineira. Diante da necessidade de cursar Pedagogia, ela começou a faculdade em Campo Grande, mas concluiu em Presidente Prudente (SP), para onde viajava de 15 em 15 dias. À época, não podia se ausentar durante a semana porque as mães dos alunos do período integral precisavam que ela ficasse com as crianças até às 19h.
“Eu dividia as crianças de 4 anos numa sala e as de 5 em outra. Enquanto eu passava, a mão, em cada caderno, as atividades adequadas para uma sala, vinha uma tia para recrear, cantar, dançar, pular, brincar de roda, e eu passava para outra sala. A gente alternava”.
União da família
O marido Edson , que tinha noção financeira e administrativa, saiu do trabalho para se dedicar a escola, enquanto Ana cuidava da administração escolar.
“Nós fomos rápido para a marca de 100 alunos e tínhamos a necessidade de ampliar a estrutura. Compramos o terreno ao lado, continuamos morando de aluguel, emprestamos dinheiro de familiar, construímos, depois pegamos dinheiro a juro em banco. Acabávamos de pagar um crédito e já fazíamos outro. Até hoje trabalhamos com a mentalidade de ampliar nossa escola, temos conforto e moramos bem, mas nossa intenção é sempre investir primeiro na escola. Dez anos depois conseguimos sair do aluguel e compramos um imóvel financiado porque o dinheiro está todo na escola”, explicou.
Empreendedora com alguns de seus alunos nos primeiros anos da escola
Estrutura
Quinze anos após a criação, o Construindo o Saber ocupa 11 terrenos na Rua Barão de Limeira, Bairro Jardim das Mansões, em Campo Grande. Conta com 50 funcionários e quase 500 alunos. A instituição oferece do berçário ao 9ª ano, além de atividades, como karatê, futsal, balé, dança do ventre, jazz, teatro e laboratório de Língua Portuguesa para quem sonha em se tornar redator.
“Hoje, eu falo em ampliar o espaço físico, mas no meu coração, não gostaria de ter o ensino médio porque penso que a minha identidade é trabalhar até o 9º ano porque eu me identifico muito com a pré-adolescência”, justificou.
Ex-alunos do Construindo o Saber atualmente estão em cursos como Direito, Psicologia, Nutrição, Educação Física e Veterinária. Ana já foi mencionada em monografia de acadêmico que estudou na escola. Tem ex-aluno estudando nos EUA, um outro hoje é professor na instituição e outros dois são estagiários.
Já uma turma de ex-alunas, que concluiu o 9º ano, mas não quis parar de dançar balé na escola, criou o Grupo Naima, que se apresenta profissionalmente, em setembro, na Argentina, no Festival de Dança do Mercosul.
Sonho realizado
Foi com recurso proveniente da escola que Ana e Edson ajudaram na formação dos filhos. Junior, o mais velho dos três irmãos, é formado em Direito e cursa Medicina no Paraná; Ricardo e Juliana são bacharéis em Direito. “Como pedagoga, eu não poderia hoje ter um filho cursando Medicina porque era um sonho que ele tinha na adolescência e eu não pude oferecer. A gente percebe claramente essa porta que se abriu porque se ele está conseguindo realizar esse sonho é porque eu realizei um outro sonho. A mudança de vida vem acontecendo porque a escola nos proporciona”, ressaltou.
Ana disse que uma de suas maiores gratificações é quando vai a um evento da escola e se depara com o teatro lotado. Os alunos ficam felizes e satisfeitos, pais separados, naquele dia, se juntam. “Sou muito abençoada e faço um dia após o outro. Eu quero para amanhã, mas antes faço só o hoje”, finalizou.