Basta ler o currículo de Maria Cecilia Amendola da Motta para perceber que, profissionalmente, ela abraçou a área da Educação com firmeza. Relacionando vários cargos e funções, ela mostra que a prática condiz com o pensamento de que o professor precisa investir na carreira com formação de qualidade. Este é um dos assuntos que ela aborda nesta entrevista ao Correio do Estado, na qual também fala sobre o início das aulas, de investimentos na área, de como retirar da gaveta o projeto pedagógico da escola é de suma importância.
CORREIO PERGUNTA – A senhora completa quase um mês à frente da gestão na Secretaria Estadual de Educação. Quais os principais problemas encontrados logo de início? Algum deles a deixou muito surpresa?
MARIA CECILIA AMENDOLA DA MOTTA – Encontrei um organograma que estou reestruturando; fiquei muito surpresa com o número de professores convocados, muito maior do que eu imaginava. A palavra certa é esta, surpresa, ao ver que a Rede Estadual de Ensino tem 9 mil professores efetivos e 10,9 mil professores temporários contratados. E isso não é bom para a educação. Meu pensamento é que o professor de carreira tem de ser efetivo. Não estou aqui desmerecendo o papel do temporário, já que eu fui temporária, já fiz parte deste contingente, mas o professor precisa ter uma carreira, uma segurança de que terá uma carreira, que investirá na formação, fará mestrado, curso de pós-graduação, para ter a perspectiva de trabalho seguro.
E o que faltou para que este cenário se tornasse realidade?
Talvez concurso público. Eu não sei por que não tem este quadro, mas é um desafio que nós vamos enfrentar, de ter um número maior de professores efetivos. Estamos trabalhando de maneira que possamos ter mais vagas puras para oferecer concurso público. Estamos fazendo este levantamento de onde existe, quais as disciplinas e até o fim do ano pensar num concurso público. Já que existe a meta de se melhorar a educação, você tem de ter profissional competente. Então, a minha surpresa quando cheguei aqui na secretaria foi o número grande de temporários, não pensei que fossem tantos.
O governador Reinaldo Azambuja acenou com os 13% de reajuste dado nacionalmente aos professores. E falta, ainda, decidir como chegar aos 25,42% solicitados pela categoria. Como o governo pretende obter os 13 milhões de reais? Eles existem em caixa?
O que nós recebemos foi uma lei do governo anterior passando o piso de 40 (horas) para 20 (horas). Esta diferença recebida em 4 anos. Um tanto seria agora, e destes 13% para chegar a 25,42%. Essa diferença nós estamos em negociação com o sindicato. Já tivemos quatro reuniões com a Fetems e teremos outra. O governador não está negando que o professor mereça ir de 40 para 20 horas, o que nós estamos negociando é o tempo deste escalonamento, porque primeiro é preciso ver as contas públicas. Ele já garantiu os 13% de aumento, vai pagar tudo isso em março com os retroativos de janeiro e fevereiro. Agora, para o restante que está faltando, propusemos uma comissão da Fetems e do governo do Estado para abrir planilhas e ver não só como é que paga agora mas também fazer toda uma projeção. Não se pode propor um aumento sem a projeção de receita, do contrário, estaremos sendo inconsequentes! E este será um ano no País muito pesado, é preciso ter o pé no chão. O perfil do governador Reinaldo Azambuja é democrático e aberto, ele vai discutir com a categoria, aliás, já está discutindo.
E tudo ruma para que dê certo?
No 40 [horas] para 20 [horas] nós acreditamos, nós vamos cumprir. O tempo que levará para ser feito isso é que nós não sabemos. Mas cadê a receita? Para você pagar é preciso de receita. Nós trabalharemos para isso.
A senhora não acha que o piso de R$ 1.917, para 2018, é um valor nacionalmente ainda muito baixo considerando a importância do professor?
É muito baixo, mas nós temos que ver que este valor de R$ 1.917 é um professor do Normal, não é de um professor universitário. Nós temos dois professores nesta condição. Assim que ele tem curso superior, é 50% a mais. Quando se fala em R$ 1917, nós não temos este professor, temos o professor já com 50% a mais, temos professor com graduação, especialização, com mestrado.
As prefeituras solicitaram e foi acordado que o ano letivo começará apenas após o Carnaval. Por quê?
Nós fizemos um levantamento, e mais de 50% dos prefeitos enviaram ao governador a solicitação para que o ano letivo fosse adiado. E democracia é isso. Adiamos para dia 19 de fevereiro. E, entendendo o professor, estamos prorrogando as férias até o dia 11 de fevereiro. Porque ele vai trabalhar esses dias tirando algumas emendas de feriados ou sábados.
E isso será compensado para frente, no calendário escolar?
Sim, tanto para os professores quanto para os alunos. Prorroga-se as férias dos professores porque ele terá depois de trabalhar estes dias a mais. Nos dias 12 e 13 de fevereiro, os professores efetivos estarão na escola planejando, e dia 19 as aulas se iniciam para os alunos. Agora, quando será reposta, há uma comissão estudando, porque o calendário da Capital, da Rede Estadual, tem de combinar com o calendário da Rede Municipal já que quem transporta o aluno do Estado é o município. E é por isso que o governador seguiu o município. Não adianta nós termos um calendário e o município outro.
O Estado contabiliza 20 mil professores e 365 escolas. E uma das promessas de campanha do governador Azambuja é de investimentos no setor da educação e valorização do profissional. O que há de concreto sobre isso até agora?
Valorização caminha em duas frentes: valorizar é ganhar bem, e valorizar também é ter um bom currículo, ter conhecimento. Não adianta eu ter conhecimento e ganhar pouco, nem ganhar muito e não ter conhecimento. Então, estamos propondo cursos de formação. Fazer uma especialização, por exemplo, que o governo possa bancar. Mas que esta especialização tenha uma relação com a prática. Vamos supor: eu tenho que ter um TCC no final do meu curso de especialização. Eu tenho que apresentar no final o que é que aquele curso mudará na minha prática, como professora ou como diretora. Do contrário, aquele curso não vai me valer de nada. A gente não quer apenas o diploma para poder ascender na carreira. A gente quer que aquilo que foi estudado mude a prática em sala de aula. Penso que valorizar é se sentir seguro e competente naquilo que está fazendo. E, logicamente, eu estou estudando, vou ganhar melhor, estou ascendendo profissionalmente e isso vai me dar um valor maior no meu bolso. Não consigo descasar conhecimento do foco na aprendizagem do aluno, do foco na minha mudança de prática pedagógica e da avaliação em termos financeiros. Tudo tem de caminhar junto.
A secretaria tem uma radiografia das reais necessidades da totalidade das escolas estaduais no que se refere à falta ou excesso de pessoal, estrutura física precisando de consertos ou, até mesmo, a necessidade da construção de mais unidades?
Estamos terminando de fazer esta radiografia. Tem bastante escolas que precisam de reformas e reparos. Na fala do governador, esta semana, com todos os diretores, ele determinou que fossem visitadas as escolas em tempo mínimo para priorizar as demandas do pior para o melhor. Há uma equipe já com autonomia para verificar estas estruturas, o material que está faltando assim como as carteiras. E para resolver a situação também de pessoal administrativo (merendeira, etc), tentaremos terceirizar algumas escolas e chamar, por meio de concurso, quem está pronto para poder dar conta da demanda que tem de funcionários.
O recebimento dos kits escolares foi adiado porque o pregão para compra ainda vai ocorrer no início deste mês. Por que não foi possível priorizar a entrega?
Bem, não ficou uma ata de registro do governo passado e é preciso fazê-la. O processo é lento. Esperamos que quem ganhar a licitação agilize esta entrega. Acredito que 10 dias após o início das aulas conseguiremos fazer isso.
Uma das grandes queixas de professores (e isso ocorre nacionalmente) é o índice de indisciplina e violência nas escolas. A senhora teria alguma receita para tentar reverter ou, pelo menos, minimizar esta situação? O que pode ser feito para aumentar a autoestima do professor?
Bem, eu sou conhecedora de todos os problemas. Os do professor são a violência, a família, a droga, a indisciplina. Mas eu acredito que o projeto psicopedagógico da escola não é um documento de gaveta, é um documento escrito pela comunidade escolar. Quando você diz o que quer para sua escola, quando não vem de cima para baixo o seu projeto pedagógico, quando você é partícipe, então se consegue melhorar. Na reunião que tivemos com os diretores, pedimos para eles priorizarem, na primeira reunião, qual é a filosofia da escola, como é a metodologia de ensino, como veem a avaliação, para que os alunos possam participar e a família também. Democracia não é uma coisa muito fácil, ela demanda tempo, demanda argumentação. Dar uma ordem é fácil – “faça assim ou assado”. Mas o que é que nós queremos? Hoje (quarta-feira), por exemplo, eu me reuni com minha equipe durante todo o período da manhã, e nenhuma decisão que sair daqui será só minha, será do grupo. E isso demanda tempo, porque usamos nossos argumentos, as ideias são diferentes, e entrar em consenso é uma coisa muito difícil. Mas tudo o que sair da secretaria será consenso de minha equipe. Na escola, quando eu era diretora, eu nunca escutava apenas um lado da moeda. Se era um pai e um professor, ouvia o pai e o professor. Eu era a mediadora, mas a decisão final nunca era minha, era tomada em conjunto com eles. E eu acredito nisso, que as decisões devem ser tomadas em conjunto, as responsabilidades do fracasso ou do sucesso são divididas. Sendo assim, todo mundo abraça a causa e vai junto. Por isso que eu acredito que o projeto político-pedagógico é a alma da escola. E ainda acredito no diálogo e no poder da argumentação. Acredito que conseguiremos trazer a família para dentro da escola quando ela se sentir partícipe das decisões da escola – e o próprio aluno também. E o governador vai cobrar dos secretários suas metas. A nossa meta aqui é melhorar a proficiência de aprendizagem e diminuir o abandono e a reprovação, dois indicadores que formam o Ideb.
Há planos de se criar escolas em tempo integral e incentivar o ensino profissionalizante? Como será feita esta ação?
Bem, esta área está se caminhando. Tem o Pronatec, tem vários cursos concomitantes, está indo muito bem o profissionalizante. O que nós temos de fazer é colocar na região a demanda daquele curso que a comunidade precisa. É preciso analisar a região e, ali, oferecer o curso que promoveria o desenvolvimento do lugar, porque educação é para desenvolver. Quanto ao ensino integral, isso é algo que eu gostaria muito. O que está posto pelo governo federal, o projeto “Mais Educação”, não é ensino integral, é tempo integral, tempo ampliado. Educação integral é diferente de tempo integral. O tempo integral é ficar na escola o tempo todo. Agora, a educação integral transcende o tempo integral. A educação integral, no sentido da palavra, vai demandar um estudo, um tempo de preparo.