O cientista brasileiro criador do "bloqueador da dengue", Luciano Andrade Moreira, foi escolhido pela revista Nature como uma das 10 pessoas que moldaram a ciência em 2025
Um estudo conduzido pela Fiocruz juntamente com as universidades de Yale, Stanford, Johns Hopkins, de São Paulo (USP) e Monash University, na Austrália, pelo World Mosquito Program (WMP) e pelas secretarias Municipal de Saúde de Campo Grande e Estadual de Saúde de Mato Grosso do Sul, divulgaram uma análise detalhada da soltura em massa dos mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia para frear os casos de dengue em Campo Grande.
Os resultados da análise mostraram uma redução de 63,2% em 2024 na incidência da doença em áreas onde a Wolbachia atingiu níveis estáveis na população de mosquitos, após a soltura entre 2020 e 2023.
A liberação dos mosquitos com a bactéria foi realizada de forma contínua pelos três anos, abrangendo seis grandes zonas urbanas e totalizando mais de 100 milhões de insetos liberados.
A técnica introduz a bactéria Wolbachia, que já é comum em cerca de 60% dos insetos, no mosquito Aedes aegypti. A presença dessa bactéria dificulta a proliferação do vírus dentro do mosquito, o que diminui a sua capacidade de transmitir doenças.
No ano de 2024, a prevalência média da bactéria nos mosquitos era de 86,4%. Quase 90% das áreas monitoradas alcançaram prevalência igual ou superior a 60%, considerado indicador de estabilidade.
Ao todo, foram monitoradas as 1.677 ovitrampas distribuídas pela cidade, o que permitiu o acompanhamento do avanço da Wolbachia a cada mês.
A análise da série histórica de casos de dengue, que começaram a ser monitorados em 2008, mostrou que, após a intervenção da bactéria, a cidade deixou de sofrer grandes surtos como os observados antes da intervenção.
Antes da implementação, os casos anuais frequentes ultrapassavam 4.700 registros. Nos anos seguintes, os números se estabilizaram em números menores:
- Em 2021: 410 casos
- Em 2022: 8.045 casos
- Em 2023: 11.406 casos
- Em 2024 (até setembro): 605 casos
Atualmente, foram confirmados 8.372 casos de dengue em Mato Grosso do Sul até a última sexta-feira (5).
Foram confirmadas 18 mortes em decorrência da doença e outras 7 estão em investigação.
Esse número é 60% menor que o número de mortes registrado no mesmo período referente ao ano passado, quando o Estado já contabilizava 30 óbitos confirmados.
O número também é menor que o registrado no mesmo período em 2023, quando foram registrados 43 óbitos pela doença. Em 2022, foram 24 mortes na janela de tempo.
Além disso, no mesmo período, foram notificados 8 mil casos a menos de janeiro a outubro deste ano com relação ao mesmo período no ano passado.
O método
O projeto de liberação dos mosquitos do Aedes aegypti com a bactéria da Wolbachia espalhou pelas sete regiões de Campo Grande 102 milhões de mosquitos.
De acordo com o World Mosquito Program (WMP), responsável por implementar o método em Campo Grande, a prevalência da Wolbachia na população de mosquitos na Capital aumentou constantemente, sendo que em algumas áreas à prevalência deste inseto que impede a fecundação dos ovos do mosquito da dengue varia de 70% a 100%.
Ao longo das liberações, que aconteceram em seis etapas, mais de 2,5kg de ovos de mosquitos foram eliminados, segundo a WMP. As fases realizadas do projeto atingiram aproximadamente 130 mil pessoas por fase.
Além da liberação dos mosquitos nos bairros, a pesquisa também desenvolveu outros métodos, como a iniciativa “Wolbito em casa” e a instalação de uma biofábrica na sede do Laboratório Central de Mato Grosso do Sul (Lacen/MS), para produzir milhões de mosquitos com a bactéria Wolbachia usados para o enfrentamento da Dengue, Zika e Chikungunya, doenças transmitidas pelo Aedes.
Nature’s 10
O engenheiro agrônomo Luciano Andrade Moreira, cientista estudioso do uso da bactéria Wolbachia para bloquear a transmissão do vírus da dengue, zika e chikungunya no mosquito Aedes aegypti, foi escolhido pela revista Nature como uma das dez pessoas ao redor do mundo que moldaram a ciência em 2025, configurando na lista “Nature’s 10”.
A técnica desenvolvida a partir de sua pesquisa em parceria com outros cientistas foi chamada de “Método Wolbachia”, mostrando que os mosquitos portadores da bactéria têm menor probabilidade de contrair os vírus.
Assim, a aplicação do método pode ser decisiva no controle de doenças.
Os mosquitos infectados com a bactéria, chamados de wolbitos, ao serem liberados em áreas urbanas se reproduzem com outros Aedes aegypti, reinfectando a bactéria para novas gerações de mosquitos.