Há 34 anos atuando no mundo da magistratura, o desembargador João Maria Lós foi alçado a presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul há um mês. Mesmo antes de assumir oficialmente, pensou em como viabilizar a melhoria salarial dos servidores, manter o tribunal economicamente estabilizado e aproximá-lo mais da comunidade, entre outros projetos. Nesta entrevista ao Correio do Estado, ele fala sobre a criação da vara especializada em medidas protetivas à mulher; da implantação da Central de Processamento Eletrônico, do projeto-piloto na área do Pantanal e da abertura de concurso público para magistrados e servidores.
CORREIO PERGUNTA
Desembargador, o senhor está há um mês à frente do Tribunal de Justiça de MS. Durante este tempo, quais os principais problemas enfrentados pelo senhor e quais soluções imprimiu?
JOÃO MARIA LÓS - Desde o ano passado, eu já sabia, o presidente do tribunal é eleito dentre os mais antigos que não foram administradores, então eu já sabia que deveria ser o presidente do tribunal. Desta forma, comecei a me organizar em termos de administração, preocupado, principalmente, com a questão econômica. Estou na magistratura há 34 anos e já passei por todas as fases dela. Quando entrei em 1981, a estrutura, aqui, era praticamente nenhuma. Tínhamos apenas dois fóruns construídos no interior - Naviraí e Miranda. As demais cidades tinham prédios alugados, emprestados por prefeituras. E hoje em dia faltam apenas dois prédios para fecharmos todas as comarcas com prédio próprio do Judiciário. Isso é um avanço. O outro aspecto é que nós tivemos períodos em que o Estado não repassava duodécimo – chegamos a ficar três meses sem receber salário (juízes, desembargadores, funcionários) numa crise terrível. Isso me preocupou desde o momento em que eu soube que seria o presidente do Tribunal de Justiça, de procurar, correr atrás de recursos. Então, trabalhamos para que a LDO tivesse melhora do duodécimo e conseguimos, conversando com o governador de então, com o presidente da Assembleia Legislativa, acabamos obtendo a melhoria no duodécimo, que era de 6.8 e foi para 7.3, meio por cento sobre a receita corrente líquida do Estado. E isso trouxe alguma tranquilidade. Não é fartura, como alguns pensaram no primeiro momento, mas nós temos hoje uma situação econômica confortável. Se esta crise nacional que se avizinha não complicar, não cortar receita nossa, passaremos por um período razoavelmente tranquilo, sem cometer excessos. Não temos sobras, mas a coisa está bem ajustada. Desde o momento em que assumi o TJ tenho preocupação com o vencimento dos servidores, principalmente aqueles da área fim, que por incrível que pareça são os salários mais baixos - outras áreas que não são as áreas fim, mas a meio, têm vencimentos melhores. Nós vamos investir na melhoria salarial daquele pessoal.
Para 2015, o que o Tribunal conseguiu em termos de orçamento e quais as principais metas a serem alcançadas?
Em termos de orçamento estamos numa condição razoável. Nossa previsão orçamentária gira em torno de R$ 500 a R$ 600 milhões/ano e isso daria em torno de R$ 45 a R$ 50 milhões/mês. E temos algumas coisas pela frente a serem feitas. Em março teremos que definir o índice de reajuste salarial dos funcionários. Já tive o primeiro contato com o sindicato, eles trouxeram algumas reivindicações e vamos ver o que é possível dentro da limitação do nosso orçamento. O índice de reajuste já está fixado, que é de 7%, numa lei que regulamenta isso. A rigor seria 6.88% e nós vamos arredondar para 7%. E há outras verbas que eles pleiteiam, que acabam se integrando ao salário, estamos verificando o que é possível conceder. O que não for possível conceder agora veremos no curso do ano, ver a situação econômica se estabilizando, havendo recuperação da economia...
Em qual estágio está a transferência da Central de Juizados para o antigo Shopping 26 de Agosto? Por que tanta morosidade no início das obras?
Nós estamos investindo neste prédio, estamos em fase de licitação das obras. Por que a demora? Porque o TJ tem a preocupação de fazer a licitação corretamente, com transparência, divulgando estes editais para que haja uma concorrência realmente e evitar qualquer questionamento. Nós faremos uma reforma que custará bastante dinheiro, teremos que mexer na estrutura do prédio. Ainda não temos os números, mas penso que deva ser algo em torno de R$ 7 a R$ 8 milhões. Mas será preparado para instalarmos todos os juizados, a Escola da Magistratura e vamos ainda instalar a CPE - Central de Processamento Eletrônico. Ela foi criada aqui em MS e está sendo implantada – já tem estados copiando e dizendo que foram eles que criaram, mas fomos nós! Trata-se de um cartório que atenderá o Estado todo. Ao invés de termos cinco ou seis cartórios na comarca, aqui em Campo Grande são 60 varas, então 60 cartórios. Teremos apenas um cartório para atender o Estado todo. E como funciona tudo isso? Aquele trabalho que o funcionário fazia no cartório, quando o juiz devolve o processo e tem que fazer o ofício, fazer o mandado de notificação, intimação de testemunhas, isso será tudo feito aqui. Por exemplo, o juiz despacha em Porto Murtinho com o processo eletrônico e é encaminhado para cá, vem para a CPE. Nós já temos um grupo em treinamento aqui e a ideia é expandir para todo o Estado, por enquanto estamos em fase de implantação porque não temos mais espaço para expandir. Por isso a necessidade do novo prédio, que abrirá espaço para pelo menos 600 a 700 funcionários trabalhando nisso. A previsão é de que no fim deste ano ou começo do ano que vem o prédio esteja pronto, levando em consideração um ou outro contratempo. Esta CPE será uma revolução em termos de andamento de processos.
Em que ponto está a informatização das comarcas no Estado?
Estamos investindo em tecnologia, estamos virtualizando o TJ todo. Hoje, 100% da estrutura do judiciário é informatizada. Ainda renascem processos físicos do tempo que ainda não havia informatização, mas pretendemos reverter, vai depender do andamento dos processos para que tudo fique informatizado. Mas os números mostram como é o nosso quadro: no dia 25 de fevereiro último nós tínhamos 791.900 processos em andamento, entre justiça comum e juizados – destes, 670 mil são eletrônicos e 120 mil, físicos. A proporção é de 85% eletrônicos e 15% físicos. Nós acreditamos que em dois ou três anos tenhamos um número insignificante de processos físicos.
O senhor diria que o Judiciário em MS e no Brasil precisa ser mais proativo, mais protagonista, se comunicar mais com o povo?
Veja um projeto novo do TJ, até para aproximar o judiciário das pessoas. Estamos fazendo um projeto-piloto de um convênio que foi feito entre o Tribunal de Justiça e o Distrito Naval de Ladário. Eles fornecerão para nós um barco e vamos embarcar uma estrutura de juiz, promotor, defensor, funcionários, e amanhã (2 de março) andaremos pela região ribeirinha. Trata-se de um projeto-piloto para fazer um levantamento da quantidade de casos. Porque muitas vezes a pessoa mora longe, lá no Pantanal e não tem, por exemplo, um registro civil, um título de eleitor, uma carteira de identidade. A ideia, então, é de levar o Estado lá e dar uma atenção às pessoas, dar cidadania a elas. Veremos qual o custo-benefício do projeto e, ainda que não haja uma relação adequada de custo-benefício, é algo que o Estado tem que fazer para atender esta população. Temos, também, um projeto na Casa da Mulher Brasileira, implantada recentemente na Capital e que é inédito no Brasil. Temos na Capital duas varas de violência doméstica, que funcionam no Fórum. Na Casa da Mulher Brasileira criamos uma vara que irá se especializar só em medidas protetivas à mulher. A ideia é ter naquele espaço o juiz, diariamente, para que ele examine caso a caso. O atendimento, a proteção da mulher ocorrerá de imediato, não haverá a demora e nem o perigo de a pessoa ficar presa, muitas vezes, por uma bobagem. Enfim, este juiz ficará especializado no atendimento à mulher.
Há planos de se realizar concurso público para ingresso no TJMS? Em quais áreas?
Assinei no último dia 18 convênio com a Vunesp (fundação de São Paulo ligada ao Estadão) para o concurso para a Magistratura e teremos também concurso para servidores , que já está na iminência de sair o edital para o concurso de servidores para a Capital. No interior nós ainda temos remanescentes aprovados de concurso anterior. Então, temos dois concursos na iminência de serem abertos – o dos servidores, acreditamos que até final de março e começo de abril já tenhamos realizado a prova, estamos com carência de servidores.
Nos últimos anos, o papel do Conselho Nacional de Justiça tem sido marcante na administração dos tribunais com a edição de resoluções, recomendações, dentre outros atos. Que avaliação o senhor faz das ações do CNJ em relação à gestão dos tribunais do país?
Penso que o CNJ veio num momento em que o Judiciário precisava de alguma coisa assim. Há momentos em que houve um determinado exagero, até por preconceito a meu ver, contra a justiça estadual, tivemos algumas situações até constrangedoras de inspeções feitas aqui pelo CNJ com algumas atitudes de arbitrariedade. Mas, no conjunto, o CNJ teve o grande mérito de despertar o Judiciário para a gestão, não havia gestão no judiciário. Hoje, a primeira coisa que um juiz faz quando chega no cartório é ordenar os processos que ele tem para trabalhar.
A disseminação da cultura da conciliação tem sido um dos focos do judiciário nacional para a solução dos litígios nos últimos anos. Em 2011 foi criado o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos no Poder Judiciário de MS justamente para atuar localmente com esta questão. Como o senhor avalia a cultura da mediação e da conciliação no judiciário?
Há duas diferenças. A mediação é uma tratativa que é feita com o objetivo de resolver não só o processo, mas resolver o conflito entre as pessoas. Enquanto que a conciliação se concentra em resolver aquela questão do processo. Por exemplo: eu tive um acidente de trânsito - paga, não paga, vamos sentar e resolver. E na mediação não, envolve a família. Eu tive um processo no núcleo de mediação que envolvia quatro irmãs disputando uma fazenda e uma delas era brigada com as outras. O trabalho foi tão bem feito, que no final todas se reconciliaram. É o que chamamos de Justiça Restaurativa, restaura uma situação anterior que vai equacionar os problemas daquela família, daquele grupo que está envolvido. A conciliação, não, é algo mais profissional, é dar uma solução para aquele caso específico. E por conta disso estamos em tratativas; para a semana que vem vamos dividir os núcleos de mediação e conciliação. Deixaremos um núcleo de mediação e vamos criar um núcleo de conciliação aqui em Campo Grande - é para o Estado todo. A ideia é imprimir velocidade maior nas conciliações. O número de conciliação é muito maior do que a mediação. O DPVat, por exemplo, temos inúmeros processos nesta área. A ideia é selecionar os processos, montar uma semana de conciliação e, em cima daquilo, trabalhar sobre estas conciliações. Vamos treinar um pessoal, porque há toda uma técnica para fazer estas conciliações e dar dinâmica nisso. Resolver o problema das pessoas, resolver o problema do Judiciário, diminuir o número de processos é garantir a presença do Judiciário, dando uma satisfação para as pessoas.