Uma alteração na superfície da córnea, fazendo com que ela adquira um formato cônico e irregular. A condição é conhecida como ceratocone, uma doença que atinge um indivíduo a cada dois mil. Em razão da alta irregularidade, ocorre afinamento corneano, o que provoca miopia e astigmatismo progressivos, chegando a graus altíssimos. A doença é uma das maiores causas de transplante de córnea no Brasil.
Estudo realizado, este ano, pelo Sistema de Saúde da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, apresentou algumas descobertas sobre a doença. Trata-se da maior pesquisa já realizada sobre o assunto. Foram utilizados dados de 16 mil pessoas com ceratocone, além de outras oito mil que não a tem.
De acordo com a oftalmologista Meibal Junqueira, integrante do corpo clínico do Instituto de Moléstias Oculares, em São Paulo, o estudo ajudou a confirmar suspeitas previamente levantadas por pesquisas menores. “Já era sabido que os homens apresentavam maior risco para a doença e isso foi confirmado”, aponta.
A pesquisa demostrou que a doença tem maior incidência entre homens de 30 a 40 anos, afrodescendentes e latino-americanos, sendo 50% superior do que em brancos. Essa especificação era desconhecida. Pessoas com asma e apneia do sono apresentam maior risco de desenvolver ceratocone, assim como quem tem síndrome de Down. Por outro lado, mulheres e pessoas de descendência asiática têm menor risco.
Uma das descobertas que chamou atenção dos especialistas é a menor incidência em pessoas com diabete. Meibal explica que pode se perceber “um possível efeito protetor da diabete”. “Enquanto a doença causa outros efeitos negativos para a visão, a córnea parece ser reforçada como um subproduto dessas mudanças”. Em pessoas que desenvolveram algum tipo de complicação por diabete, há uma probabilidade inferior a 20% de desenvolvimento da doença.
Descartou-se a relação de doenças crônicas como rinite alérgica, prolapso da válvula mitral, doença vascular do colágeno, aneurisma da aorta e depressão com o desenvolvimento da condição. “Mas, quando se trata de pessoas diagnosticadas com apneia do sono, há uma probabilidade estatisticamente maior de elas desenvolverem ceratocone. Da mesma forma, as pessoas com asma apresentam maiores chances de ter irregularidades na córnea”, afirma.
Outro dado apresentado diz respeito às pessoas com síndrome de Down. A chance de desenvolver ceratocone nesses casos é seis vezes maior do que entre outros públicos. “Esse risco também já era conhecido e reforça a grande importância do rastreio e tratamento da condição em membros da comunidade de síndrome de Down, começando ainda numa idade jovem”, explica Meibal.
A DOENÇA
O ceratocone é causado por alterações das fibras de colágeno que fazem com que a córnea adquira formato cônico e irregular. Por se tratar de uma condição progressiva, ela pode piorar muito a qualidade da visão com o tempo, levando, até mesmo, à necessidade de transplante de córnea. O aumento do grau de miopia e astigmatismo também é um dos sintomas mais comuns. Em pessoas com a doença, essas condições dificilmente se estabilizam.
De acordo com o oftalmologista Virgílio Centurion, diretor do Instituto de Moléstias Oculares (IMO), os tratamentos se desenvolveram muito durante a última década. “Mas muitas pessoas não recebem o diagnóstico suficientemente cedo para tirar o máximo proveito deles”, afirma. Um dos motivos é a dificuldade de realizar o diagnóstico nos estágios iniciais da doença.
Em sua fase inicial, o ceratocone pode se apresentar como um astigmatismo irregular, o que leva a mudanças constantes de grau. Para que a doença seja diagnosticada em definitivo, torna-se necessária a realização de exames como a topografia corneana. O ceratocone pode ser diagnosticado como de grau I (incipiente), grau II (moderado), grau III (alto) e grau IV (avançado), entretanto, atualmente, alguns especialistas consideram também grau V (extremo).