“Só quem viveu sabe” é uma daquelas frases prontas ditas por quem testemunhou um movimento, uma geração. Na música não é diferente. As bandas e os artistas sul-mato-grossenses surgem aos montes, embalam o público e, alguns anos depois, encerram seu ciclo. Quem viveu viu; quem não, não verá mais. Salvo algumas exceções, o som regional fica preso ao período em que eclodiu, mas não transborda e alcança as gerações seguintes. Há quem se inquiete com isso e tente levar trabalhos antigos a ouvidos novos.
Poucos músicos do Estado conseguiram ou conseguem fazer a trilha sonora de pessoas com idades diferentes. Entre os destaques estão, Delinha (antes ao lado de Délio), Tetê Espíndola e Almir Sater, que por razões distintas são venerados há anos.
No “lado B” da história, existem aqueles que marcaram época, mas que são pouco conhecidos hoje. A banda Alta Tensão é um exemplo. Nos anos 1980, foi um dos principais conjuntos de heavy metal do País, com três discos lançados – um LP e dois EPs.
Pioneira em seu estilo no Estado, a Alta Tensão deixou de existir no início dos anos 1990, fazendo órfãos os metaleiros sul-mato-grossenses. Duas décadas depois, são raros os fãs do gênero que conhecem a banda.
O ex-baterista do grupo João Bosco Ferreira de Melo, ou simplesmente Bosco, percebe o desconhecimento. “Nós não somos eternos. Se não tiver um resgate e passar para as outras gerações, você acaba sendo esquecido mesmo”, pondera.
Como forma de recuperar e homenagear a história do grupo e apresentar o som para os jovens amantes da música, a Alta Tensão relançou neste ano seu único LP, “Portal do Inferno”, de 1986. A proposta de evidenciar o disco novamente, porém, não partiu dos ex-integrantes, mas de uma gravadora especializada em reeditar clássicos do heavy metal nacional, a Since 72 Records.
Bosco autorizou o relançamento e aguarda sua cópia do vinil. “Os discos do Alta Tensão se tornaram cult, mas não sei dizer o motivo. O ‘Portal do Inferno’, em particular, caiu na graça da galera que curtia. Esse álbum tem de tudo, desde metal progressivo até sons mais pesados”, conta.
Enquanto espera, o baterista já faz planos a fim de uma retomada da banda para algumas apresentações. “Estamos pensando em retomar a Alta Tensão, fazer alguns shows. Já estou até estudando mais bateria, porque ultimamente tenho tocado mais blues e rock. Preciso retomar o ritmo.”
BÊBADOS HABILIDOSOS
Quando a Alta Tensão encerrava suas atividades, surgia em Campo Grande a Blues Band, que pouco depois daria origem ao grupo Bêbados Habilidosos. A banda de blues, liderada pela voz rouca e boêmia de Renato Fernandes (morto em fevereiro de 2015), ficou 24 anos na ativa e também se tornou referência nacional entre aqueles que reproduziam o gênero nascido às margens do Rio Mississippi, nos Estados Unidos.
A banda lançou apenas dois discos, mas se eternizou na cena regional com incontáveis apresentações na noite campo-grandense, além de shows nos principais festivais culturais do Estado.
Nem as mais de duas décadas de estrada permitiram aos Bêbados atingir todas as gerações. Nos últimos meses de atividade, as apresentações da banda reuniam poucas pessoas na Capital.
Ex-guitarrista do grupo, Rodrigo Paiva teme que o trabalho dos Bêbados caia no esquecimento. “Pode ser que a gente acabe entrando nesse contexto. Não sei se daqui alguns anos alguém vai conhecer a banda”.
Antes de sua morte, Renato Fernandes deixou gravados os vocais para o que seria o próximo e último álbum da Bêbados Habilidosos, intitulado de “Vida Dura”. O disco de inéditas, ainda sem data prevista para lançamento, deve ajudar a manter o grupo vivo na memória musical recente de Mato Grosso do Sul e apresentar o seu som aos mais novos.
CURIMBA
Nascida em 2008, a Curimba foi a expoente do movimento samba-rock em Campo Grande, marcado também por grupos como Dombraz e A Zaga. Em pouco tempo sobre os palcos, arrastou inúmeros fãs com um som dançante e músicas que tratavam de aspectos locais, como “Serve um Téra”.
Três anos depois de surgir, a Curimba interrompeu suas atividades e, com isso, enfraqueceu a cena que liderava na Capital. Este ano, a banda anunciou retorno, com mudanças na formação e promessa de lançar um disco no próximo ano. Por outro lado, os grupos que nasceram ao seu lado já se extinguiram.
Para o vocalista da Curimba, André Stabile, os músicos locais não se perpetuam na cena regional por causa da concorrência com o nacional. “Existem algumas exceções que não ficaram presas na jaula do nosso Estado, como o Almir Sater, a Tetê Espíndola. Mas ficamos blindados pelo eixo de novos artistas, e as pessoas consomem mais o que vem de fora. O público é assim mesmo, e acaba que só conhece o som de uma banda regional quem foi da época dela”, ressalta.
Ciente desse problema, Stabile e a Curimba agora preparam um trabalho a fim de ultrapassar os limites do Estado. “Nossa equipe é 90% de São Paulo, desde áudio, vídeo, comunicação, publicidade, tudo. O foco agora é profissionalizar e fazer a arte maior que nosso território”, conclui.