O grande desafio de dormir fora de casa na infância – em outra cama, longe do pai, da mãe e de tudo o mais que é cotidiano – certamente se tornará uma das melhores memórias desta época. E, além de renderem boas lembranças, as noites do pijama são também oportunidades de socialização e de desenvolvimento da autonomia e autossegurança das crianças pequenas e – por que não? – de quem já cresceu também.
Há quem diga que o contato entre familiares e amigos está cada vez menos frequente e, por isso, práticas como esta estejam mais raras. Nesse ponto de vista, a família da pedagoga Janine Barthman, 24 anos, de Campo Grande, pode ser considerada uma exceção.
Ela e as irmãs não costumavam dormir fora quando crianças e, agora que são mães, procuram fazer com que os filhos vivam as experiências que não viveram. “Acredito que as famílias não podem deixar perder essa tradição, que é típica da infância. Ela já faz parte do imaginário das crianças. Talvez esteja ficando menos comum por causa da rotina ‘corrida’ dos pais, no entanto, esta rotina não pode prejudicar a diversão delas”.
Nas férias do meio do ano, a casa da sogra de Janine foi o local escolhido para que a filha Isabel, 4 anos, as primas e até ela, as irmãs e o marido fizessem a noite do pijama juntos. A pedido das crianças, no fim de semana passado eles repetiram. “A Isabel e as primas estavam bastante ansiosas, ficavam nos cobrando. Fizemos brincadeiras junto com elas, contamos histórias e elas dormiram em barracas”.
NOITE NA ESCOLA
A noite do pijama começou a se popularizar na década de 90, pela influência de desenhos animados e séries de televisão norte-americanos.
Nas escolas, passou a ser integrada como um evento especial no calendário escolar, capaz de mudar a rotina dos alunos, promover avanços nas relações sociais e balancear a dependência dos pais – questões geralmente trabalhadas nas séries iniciais.
A organização de atividades, as refeições e a garantia de segurança do local geralmente ficam por conta da equipe da escola. Permitir ou não permitir a participação dos filhos é o que os pais precisam resolver com antecedência. A pedagoga Cristiane Marques afirma que ter receio em autorizar é natural. “As crianças menores realmente precisam mais dos pais, mas as maiores são capazes de superar a insegurança e passam a noite muito bem, apesar de alguns pais ainda não estarem muito seguros disso”.
Coordenadora da etapa de Educação Infantil do Colégio Dom Bosco, em Campo Grande, Cristiane percebe que essa insegurança está, na maioria das vezes, na própria família. “Alguns, realmente, não conseguem ficar e pedem para ir embora, e então nós ligamos para os pais. Mas há muitos alunos que surpreendem, fazem sozinhos coisas que normalmente não fazem em casa, dormem a noite toda e voltam para casa orgulhosos, dizendo: ‘Eu cresci! Dormi na escola, agora sou grande’. É uma realização para eles”.
No colégio, a festa do pijama acontece há mais de 30 anos. Entre as atividades que os alunos participam durante a noite estão o passeio de lanterna pelo pátio, piquenique, contação de histórias e apresentação de teatro. Com adesão de quase todos os alunos da Educação Infantil, o evento mobiliza cerca de 30 profissionais, entre professoras e assistentes, que se revezam para estimular as crianças a participarem das atividades e para vigiar seu sono.
GINCANA
Na semana passada, os alunos das turmas do quarto e quinto ano da Escola Estadual Professora Célia Maria Naglis, que fica no Bairro Moreninha III, em Campo Grande, também tiveram a experiência de dormir na escola.
Como são maiores, participaram de gincanas com brincadeiras clássicas, como a corrida do ovo, dança da cadeira e bingo. Levaram colchões e outros pertences pessoais de casa e jantaram caldo antes de dormir.
O diretor da escola, José Antônio Souza, que participou com os professores e alunos, explica que promover a socialização por meio das atividades em grupo é o principal objetivo do tempo extra e especial na escola. “Muitos não têm oportunidade de participar de algo parecido, com um grupo grande de colegas. Como são crianças, ainda estão debaixo das ‘asas’ dos pais. Esperamos que contribua para a maturidade deles sair da zona de conforto. Eles acabam nem sentido por causa desse ar de competição e diversão das gincanas que a gente cria”.
Alan Souza, 10 anos, participou da noite do pijama com a mãe, a dona de casa Sirlene Souza, 48 anos. Ela ajudou os professores a servir os lanches, supervisionou as brincadeiras do filho e dos colegas e só foi para casa às 3h.
Por receio do pai, Alan nunca havia dormido fora de casa. Quem o incentivou foi a mãe. “Acompanhei para o meu marido ficar mais seguro. Nós três ficamos muito felizes. É bom para ele desapegar um pouco da gente e aprender a fazer as coisas sozinho”.