Do desespero no princípio à realização em perceber o mundo de outra forma. Resumida, essa foi a trajetória da atual vice-presidente do Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florivaldo Vargas (Ismac), Telma Nantes de Matos, 50 anos, no aprendizado do sistema Braille, processo de escrita e leitura desenvolvido para deficientes visuais. Hoje ela trabalha a fim de que o modelo seja apresentado da melhor maneira para a alfabetização das crianças cegas.
O acesso à educação inclusiva é garantido pela Constituição Federal de 1988, mais precisamente pelo item III do artigo 208, cujo texto prevê que “o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia de atendimento [...] especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. É aí que se encaixa a necessidade da introdução do Braille às crianças deficientes visuais.
O sistema, utilizado universalmente na leitura e na escrita por pessoas cegas, foi inventado na França por Louis Braille (1809-1852), um jovem que se tornou deficiente visual após um acidente na loja de artigos em couro do pai. Sua data de nascimento, 4 de janeiro, agora marca o Dia Mundial do Braille.
O código é constituído com base em 64 símbolos resultantes da combinação de seis pontos, dispostos em duas colunas de três cada. A complexidade aparente assustou a então adolescente Telma de Matos, que ficou cega por causa de uma degeneração macular na retina. “O Braille foi o meu caminho para a reabilitação, mas quando fui ao Ismac para conhecer o sistema, toquei o livro em Braille e me bateu um desespero. Achei que jamais ia aprender”, recorda.
O que Telma viria a descobrir depois é que essa sensação é comum entre os deficientes visuais introduzidos ao sistema. “A primeira impressão é de muita dificuldade, mas à medida que a pessoa começa a conhecer e se bem instruída por um profissional fica simples”, continua.
O Ismac conta com centro de apoio para ensino do Braille, mas a aprendizagem deve começar o quanto antes, defende a vice-presidente do Ismac, que também já compôs a Comissão Nacional do Braille — instituída pelo Ministério da Educação (MEC) para o desenvolvimento de uma política de diretrizes e normas para o uso, ensino, produção e difusão do sistema. Enquanto a criança não cega recebe estímulos pela visão, com movimentos e cores, a deficiente visual busca reconhecer seu entorno com as mãos, fato que pede a inserção de materiais em relevo no cotidiano dos pequenos desde cedo.
Para tanto, as escolas da rede pública em Mato Grosso do Sul precisam “fazer um trabalho mais atrativo”, cobra Telma de Matos. “O município tem uma dinâmica legal, com salas de recursos, mas, em algumas escolas, a alfabetização das deficientes visuais é feita separado da criança não cega. Isso não é inclusão. A formação do professor é muito importante para que erros como esse não aconteçam”, defende.
NO PAPEL
Entre as ações capitaneadas pelo Ismac em Campo Grande está a produção gráfica de material em Braille. O núcleo gráfico do instituto trabalha na adaptação, transcrição de livros didáticos e paradidáticos para o sistema, e em fonte ampliada. No local, são impressos materiais para escolas particulares e adaptações de cardápios para bares e restaurantes. Este último, exigido e regulamentado em Mato Grosso do Sul pela Lei estadual 1.904/1998.
O núcleo gráfico do Ismac, operado pelo colaborador “Cidinho”, também imprime contas de água em Braille, fruto de parceria da entidade com a Águas Guariroba — responsável pelos serviços de água e esgoto na Capital. Para receber a fatura adaptada, o cliente com deficiência visual deve fazer o cadastro em uma das lojas de atendimento da concessionária ou no próprio Ismac, localizado na Rua 25 de Dezembro, 262, Centro.