O trabalho desenvolvido no curso de Artes Cênicas e Dança da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), campus da Capital, será apresentado para a população campo-grandense. É uma maneira de devolver à sociedade o conhecimento e a arte gerados dentro da academia. Alunos da UEMS subirão ao palco do Teatro Glauce Rocha no primeiro Festival de Teatro da UEMS, que acontece hoje e amanhã, com início sempre às 19h30min.
O professor Marcus Villa Góis coordena o evento, mas são os estudantes que colocam a mão na massa: são responsáveis por figurino, sonoplastia, iluminação, direção de arte, atuação, direção e todas as outras funções necessárias para a montagem de um espetáculo. O festival marca o encerramento da disciplina de Técnicas de Interpretação, do terceiro ano do curso.
“A gente sempre tem que enfrentar o público, senão não é teatro”, afirma o professor Marcus. “Somente com a resposta da plateia é que conseguimos desenvolver as técnicas e perceber o que funciona e o que não funciona”, complementa.
Nos anos anteriores, os acadêmicos também apresentaram uma peça como conclusão da disciplina, como as montagens “Sonhos de Uma Noite de Verão”, em 2013, e “As Aventuras de Tio Patinhas”, em 2015. Porém, é a primeira vez que a turma apresentará dois espetáculos completos, de uma só vez.
Além disso, o festival terá a peça “O Zoológico de Vidro”, fruto de um curso de extensão de Artes Cênicas e Dança da UEMS.
CONTEÚDO
O festival será aberto hoje, com o espetáculo “Tia Eva”, escrito pela dramaturga, diretora e atriz Cristina Mato Grosso. De acordo com o estudante Vanderlei José dos Santos, 34 anos, assistente de direção da montagem, a peça estreou originalmente em meados da década de 1980 e circulou em alguns estados.
Os acadêmicos da UEMS resolveram adaptar o texto, cerca de 30 anos depois, por conta de sua importância histórica e social. “A Cristina faz, de forma brilhante, uma reflexão sobre a Tia Eva e sua identidade”, diz.
A trajetória de Eva Maria de Jesus é capítulo importante da história de Campo Grande. Ela foi uma escrava nascida em Mineiros, Goiás. Em 1887, aos 49 anos, obteve sua carta de alforria e realizou seu sonho de se mudar para Mato Grosso do Sul (na época, ainda Mato Grosso) e construir um lugar para morar com seus descendentes.
Em 1905, chegou a Campos de Vacaria, hoje, Campo Grande, onde trabalhou como lavadeira, parteira, cozinheira, curandeira e benzedeira. “Ela era uma pessoa muito importante”, diz Angela Mendes da Silva, 38 anos, estudante e atriz responsável por interpretar Tia Eva. “Nem todo mundo sabe que ela era uma conselheira, fazia orações para as pessoas”.
Foi em 1910 que Tia Eva adquiriu uma terra de oito hectares, que lhe custou 85 mil réis. Atualmente, a comunidade Tia Eva está localizada na região do Jardim Seminário e abriga inúmeras famílias de seus descendentes.
“O texto de Cristina fala sobre uma busca das origens da Tia Eva. Ao final, ela acaba descobrindo que não precisa voltar para a África, porque essa cultura africana também está aqui, toda misturada... Somos todos nós, na verdade”, explica o professor Marcus Villa Góis.
“Ela tem muito a ver comigo, pois também venho de antepassados africanos”, afirma Angela, falando sobre a responsabilidade de dar vida ao papel principal. “Quando a gente interpreta um personagem como este, trazemos nossas memórias junto da gente”.
Em seguida, os estudantes apresentam o espetáculo “A Ver Estrelas”, texto do dramaturgo pernambucano João Falcão.
A história relata o dilema vivido por Jonas, um menino que leva uma vida tranquila e cotidiana, mas sonha em navegar e conquistar novos horizontes. “É uma metáfora sobre buscar novos caminhos ou deixar a vida seguir”, pontua o professor Marcus.
Amanhã, o festival se encerra com “O Zoológico de Vidro”, adaptação de texto de Tennessee Williams, que estreou em Campo Grande no início do ano.
APRENDIZADO
Muitos estudantes de Artes Cênicas e Dança já tinham experiência prévia como atores, atrizes e diretores de teatro. Porém, afirmam que a formação acadêmica traz um diferencial importante para suas performances.
“Eu era um diretor antes da universidade e agora sou outro. Quando a gente chega à academia, abrem-se portas, janelas e entendimentos múltiplos. A visão da gente se amplia de forma considerável”, afirma Vanderlei, que antes de ingressar na universidade já tinha 16 anos de experiência no teatro.
Para o casal de noivos Tess Onervo, 24, e Gabriel Buliani, 23, o curso da UEMS enriquece os trabalhos dos artistas e a cena teatral do Estado. “O incentivo à cultura é demonstrado nesse festival. Nós somos a quarta turma de Artes Cênicas e Dança, e é finalmente uma abertura de portas”, analisa Tess. “Cada vez mais, existem filas de pessoas para assistir ao teatro regional, o que não era uma realidade pouco tempo atrás”.
Para Gabriel, a formação acadêmica oferece crescimento artístico e pedagógico, além de oferecer ensino de outras técnicas, como circo e dança. Angela destaca que o festival da UEMS vai apresentar peças didáticas, que têm intuito de entreter, emocionar e gerar reflexão.
“A peça ‘Tia Eva’, por exemplo, não é uma peça comercial ou com outros fins, é um trabalho com objetivo de trazer um resgate do ser humano, seja ele negro, seja da etnia que for. A universidade proporciona isso: ler, buscar e ir atrás de conhecimento”, finaliza.