Ana Ruas já realizou intervenções em pontes da cidade. Em outro momento, suas obras tinham como tema as redes vendidas no cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Padre João Crippa. Também já fez grandes pinturas monocromáticas em salas do Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande. Agora, para a exposição “Estratégias para dimensionar a delicadeza e o afeto”, madeira, jornais antigos e tecidos servem de suporte para suas experimentações estéticas.
As telas que compõem a série serão apresentadas, pela primeira vez, na galeria paulistana Andrea Rehder Arte Contemporânea. A abertura será na quarta-feira. Segundo Ana, a questão do suporte é central. Visitamos o seu ateliê para conhecer o trabalho e conversar com a artista. Antes mesmo de qualquer pergunta, ela se pôs a explicar algumas metáforas que podem vir de suas obras. “Eu quis trabalhar com este contraste entre a rigidez da madeira e a leveza, a maleabilidade do tecido”, pontua.
A esses dois materiais, juntam-se recortes de jornais antigos, produzidos entre as décadas de 1930 e 1960. São folhas e encartes de suplementos femininos como o Jornal das Moças e o Jornal da Mulher. Nas páginas, dicas sobre como encantar o marido e se tornar uma dona do lar prendada, aprendendo a bordar ou aperfeiçoando os dotes culinários.
A artista evita os julgamentos de valor ao falar de sua obra. “Prefiro deixar as telas falarem por si. É o público que vai construir sentidos para o que estou construindo”, aponta. No entanto, é impossível não relacionar o trabalho a questões do empoderamento feminino ou do episódio “bela, recatada e do lar” envolvendo a esposa de Michel Temer, que foi capa de uma revista semanal brasileira.
“Esses jornais são o registro de uma época, de um passado. Existia um papel definido às mulheres, que era reforçado por essas publicações. Elas serviam como um guia, em uma nova fase da vida”, acredita a artista. O texto escrito pelo artista plástico e professor Rafael Maldonado argumenta que não há pretensão de “questionar o papel da mulher e os desdobramentos de sua atuação social”, mas “revelar o discurso que idealizou a condição feminina na personificação da esposa prendada, submissa, dedicada ao lar e à família”, comenta.
INTERVENÇÕES
Colagens, sobreposições, recortes. É por meio desses processos que Ana Ruas constrói as telas que vão compor a exposição. “Estratégias para dimensionar a delicadeza e o afeto” reunirá 34 trabalhos. Enquanto fala sobre sua obra, fica evidente a força da memória nos trabalhos. A coleção de jornais foi herdada por Ana de sua sogra. O arquivo é enorme e traz a produção de mais de três décadas.
Os tecidos também têm conexão com a sua história. Segundo a artista, sua mãe é uma exímia bordadeira. “Quando me mudei da casa dela, trouxe comigo moldes de bordado. Em algumas obras, eles aparecem”, explica. Mas, além da delicadeza de materiais como tecidos, papel-jornal, papel vegetal e papel de seda, Ana também faz uso de parafusos, pregos e dobradiças de portas.
“Já viu alguém aparafusar linho”, questiona a artista. Esta é apenas uma das intervenções que partem de noções contemporâneas sobre o que é arte, no sentido de transformar aquilo que é comum e cotidiano em objetos estéticos. Afinal, por que o jornal, o tecido e o parafuso são autorizados como arte uma vez que figuram na parede de uma galeria? A questão é instigante, mas a resposta fica para uma outra hora.